Maria Ana Raimundo, conhecida como Regininha, 77 anos, tira do fundo da memória as lembranças das festas religiosas e das missas aos domingos, que eram sempre os grandes eventos da São José da Terra Firme de sua infância. Nos anos 1950 e 60, as moças e os rapazes aproveitavam as comemorações para os namoricos e o único entretenimento dos moradores eram as sessões de cinema no centenário Theatro Adolpho Mello.
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O berbigão, molusco mais famoso da região, é lembrado como uma das principais fontes de renda das famílias da época. As ruas da cidade eram todas de chão batido e o meio de transporte mais comum era a carroça. Muitos têm saudade dos tempos em que todos se conheciam, em que os vizinhos eram como da família e não existia o medo de sair às ruas ou deixar a casa aberta.
Assim é a antiga São José na memória de seus filhos, sejam biológicos ou adotivos. Hoje, a cidade tem mais de 239 mil habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017. Mas a São José da Terra Firme começou com apenas 182 casais vindos de Portugal. Pelo o que conta a história, a chegada ocorreu em 26 de outubro de 1750, a “verdadeira” data de fundação. No entanto, o aniversário é comemorado em 19 de março porque é o dia do santo padroeiro do município.
Assim como os imigrantes portugueses, a população da cidade cresceu formada por gente que chegou e não quis mais ir embora. Foi assim com a manicure Eliane Lunardi, 35. Natural do Rio Grande do Sul, ela e o marido já viveram em Palhoça e em Florianópolis, mas foi São José a cidade escolhida para criarem os filhos, hoje com seis e 17 anos.
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Mas de onde vem esse amor pelo município que faz tanta gente ficar?
— Vamos dizer que seria uma magia, eu não sei — arrisca a dizer Eduardo Siqueira, 38, filho da cidade.
E o que esperar dessa cidade que não para de crescer? Quem sabe mais segurança e espaços para as crianças brincarem ao ar livre, mais vagas em creches e escolas e políticas públicas para os moradores em situação de rua. Estes são os anseios da pequena Rafaela Amorim da Silva Gonçalves, de 10 anos.
Neste especial que comemora o aniversário da cidade, unimos três gerações que falam de passado, presente e futuro.
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“São José antigamente, como não tinha divertimento em lugar nenhum, as pessoas iam para o cinema ali no teatro, era o divertimento das pessoas aos domingos, era a diversão de São José, era um lugar muito aconchegante, tinha um jardim bem bonito. Aconteciam as festas do Espírito Santo, festa do Nosso Senhor do Bom Fim, aí as moças e os meninos ficavam tudo no jardim. Os meninos tinham uma bolinha que amarrava um elástico, era cheia de serragem, quando as meninas passavam eles tacavam nas costas da gente, aquilo chamava a atenção das pessoas, era a brincadeira que tinha, sentavam no banco, conversavam e aí dava algum namorico, aquilo ali às vezes saía namoro. São José é minha terra, aqui que eu nasci, me criei e pretendo morrer”. Maria Ana Raimundo, a Regininha, nascida no bairro Picadas do Sul, atual Fazenda de Santo Antônio.

“Naquela época era uma vida simples. Em Campinas era tudo casinha de madeira, do lado de cá da rua, que hoje é a Avenida Presidente Kennedy, tinha um açougue, onde matavam boi. O Kobrasol não existia, era um areal, tinha o aeroclube. Quando comprei lá no Roçado pra morar, a gente passava com as madeiras ali pelo Kobrasol a pé pra levar para o outro lado para construir. Naquele tempo a gente saía e vinha de Brasília, encostava aqui para tirar berbigão, tinha muito berbigão. O que era bom naquela época é que a gente ia e vinha sem ter medo. Hoje em dia a gente tem problema de sair de casa e ser assaltado”. Imidio Lopes Amorim, 70 anos, de Garopaba, se mudou para São José em 1969.

“Eu vinha tomar banho na beira-mar, não tinha o aterro, o mar vinha até pertinho da rua, vínhamos tomar banho e tirar berbigão, tinha muita gente que tirava berbigão, tirava o sustento da família aqui. O Kobrasol não tinha, a gente passava de ônibus ali era só mato. O nome ali é Campinas porque era uma campina mesmo, era aquele mato alto, tinha uma cerca de arame que separava a rua de chão. Pra comprar alguma coisa tinha que ser lá no centro (de Florianópolis), aqui não tinha nada. Aqui tinham três comércios, que era a Cassol, a madeireira Brasil Pinho e a Koerich, por isso que deram o nome de Kobrasol, por causa dos três comércios que tinham aqui. Naquela época era tudo mais simples, todo mundo conversava com a vizinhança. A vizinhança era família, a gente fazia um bolo ia um pedaço pra cada vizinho. Se matava um porco todo mundo ajudava e ia embora com um pedaço”. Luiza Rodrigues Ferreira, 65 anos, nasceu no bairro Colônia Santana. Depois de casada se mudou para Forquilhinhas, em 1980.
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Agora

“O município teve muitas mudanças, agora é tudo mais fácil, mais acessível, o desenvolvimento traz isso. Mas, ao mesmo tempo, queremos relembrar que antigamente a gente vivia mais tranquilo, hoje tem mais criminalidade, drogas, então, ficamos nesse meio termo, de querer voltar no tempo por causa disso, mas também da comodidade de hoje em dia de ter acesso a tudo. O pessoal que tá vindo de fora pra cá em busca de emprego, não volta mais para as suas cidades de origem. Não tenho vontade de sair daqui. Sabe o que é acordar e não ter o mar perto pra você ver? Eu não me vejo acordando e não olhando pro mar”. Eduardo Siqueira, 38 anos, instrutor de trânsito em autoescola. Nasceu em São José, na Praia Comprida.

“Eu gosto bastante de morar aqui, justamente porque é mais calmo, não tem toda essa correria do centro (de Florianópolis). Mas eu vejo que está crescendo cada vez mais. Eu lembro de uns 10, 15 anos atrás, não tinha nada aqui, não tinha restaurante e a gente vê que cada vez mais está virando mais turístico, a gente vê mais gente diferente, mais atrações, feirinhas, fluxo de carro, coisas que eu não percebia antes e a perspectiva é crescer bastante. Isso é até bom também para movimentar toda a economia e estimular cada vez mais a reforma e conservação de onde eu moro”. Fernanda Pires Sewald, 22 anos, estudante de Direito, nasceu e mora até hoje no Centro Histórico.

“Eu saí da casa dos meus pais, me casei e a gente procurava um lugar legal para ficar. Moramos em Palhoça, no Campeche, no Roçado, mas o bairro que a gente mais se identificou foi Forquilhinhas e o Centro Histórico. A cidade é muito boa para se viver, a gente encontra as coisas muito perto. Faltam algumas estruturas, como todas as cidades e bairros, mas é um bairro pacato, bom de morar. São José é a cidade que eu tenho acesso a tudo. Se eu quero ir pra Palhoça, por exemplo, tem o ônibus que vai até lá. Se eu preciso ir para o centro eu também tenho disponibilidade, então é uma cidade que fica no meio, tenho acesso para vários outros lugares”. Eliane Lunardi, 35 anos, manicure. Nasceu no Rio Grande do Sul e mora em São José há 18 anos.
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Depois

“Eu gostaria que diminuísse a população de pessoas de rua. Só de pensar que tem gente que não tem comida, tá na rua, se tá doente fica sofrendo, eu acho muito triste. Embaixo do meu prédio é cheio, acho que a prefeitura devia fazer um centro de lazer, uma ONG, um abrigo para ajudar essas pessoas. Queria que tivesse mais vagas em escolas. Eu tenho um irmãozinho de dois aninhos e quando a minha mãe estava grávida ela já estava começando a procurar creches e agora que ele tem dois anos a gente conseguiu, só que é particular”. Rafaela Amorim da Silva Gonçalves, 10 anos. Mora cinco anos em São José. É aluna de judô no Centro de Esportes da cidade.

“Onde a minha vó mora está muito perigoso, a gente não pode sair de casa depois das dez senão é assaltado. Deveria ter mais segurança, principalmente à noite. Meu pai conta que quando era adolescente ele andava de bicicleta por isso aqui tudo. Aí se passou 15 anos, que é pouquíssimo tempo, e começou a ficar assim (perigoso). E daqui a 15 anos eu penso que deve estar muito melhor do que está hoje”. Alice Andrada, 10 anos, apesar de morar em Palhoça com os pais, passa mais tempo em São José, onde estuda e fica na casa da avó durante a semana.

“Eu queria que São José tivesse mais lazer, mais alternativas de esporte, mais coisas para brincar, mais quadras, podia ter mais lazer e segurança. Queria que o mar tivesse limpo pra todo mundo poder tomar banho e queria que as ruas não fossem esburacadas, queria que melhorasse o SUS, os hospitais, porque muita gente morre”. João Pedro Mafra da Luz, 10 anos, morador do bairro Campinas.
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