Thierry Gonçalves tem muitas certezas, apesar de seus 17 anos. Elas já estão presentes na vida do jovem desde a infância e formaram o escudo para que o sonho de uma vida não fosse destruído pelo preconceito de uma pequena cidade no interior de São Paulo. Aos nove anos, o menino tinha muita timidez, mas muita vontade de dançar, e sabia que esta não era uma vontade passageira.

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Morador de Santa Gertrudes, município a 175 quilômetros da capital, ele tinha uma única opção para dar início ao aprendizado: a escola municipal de dança, onde cerca de 200 crianças faziam aulas de balé e jazz. Entre elas, no entanto, nenhum menino: Thierry foi o primeiro garoto de Santa Gertrudes a enfrentar uma plateia, sobre o palco, para dançar.

– Logo que eu comecei a fazer as aulas, o burburinho começou. Ninguém via a dança como uma arte, era só uma atividade que as meninas faziam para, no fim do ano, apresentar um espetáculo – recorda o jovem.

As provocações começaram na escola, mas faziam eco pelas ruas da cidade de 30 mil habitantes. Os outros meninos não aceitavam Thierry nas brincadeiras, e as famílias eram complacentes com a segregação. Os corredores da escola não eram seguros e as provocações podiam vir a qualquer momento, de qualquer lugar.

– Chamavam de gay, de bichinha. Eram coisas que eles achavam que eram ofensas, e hoje eu sei que era por falta de conhecimento daquelas pessoas – afirma.

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Thierry não revidava, mas também não abaixava a cabeça. Os pais se preocupavam, iam à escola, conversavam com a direção. Mais de uma vez, Thierry mudou de colégio, em uma tentativa de parar a violência verbal. Mas em uma cidade com apenas seis escolas de ensino fundamental, não era tão fácil se distanciar dos agressores, nem encontrar lugar onde o preconceito não estivesse enraizado.

Apesar de tudo, o menino crescia. Não só em idade e tamanho, mas na paixão pelo balé. As aulas em Santa Gertrudes não eram mais suficientes e ele passou a frequentar também uma academia na cidade vizinha, em Rio Claro, em um treinamento intenso que o fazia, ainda no início da adolescência, voltar para casa às 23 horas em dias de semana. Nem a distância ou a chuva o faziam perder aula, apesar das sugestões da avó para ficar em casa e descansar. Thierry queria ser profissional e, mais do que isso, queria fazer o que o deixava feliz.

Foi com essa dedicação que ele chegou ao Festival de Joinville em 2015 e aproveitou a oportunidade de participar da audição que a Escola Bolshoi realiza nesse período. Entre 500 concorrentes, foi um dos 12 aprovados e mudou sozinho para Joinville para morar em uma casa-alojamento dos alunos e estudar no curso técnico em dança clássica. Tinha 15 anos, muitas saudades de casa, mas uma convicção ainda maior de estar no lugar onde deveria estar.

– Eu demorei para entender que o que havia acontecido na minha vida até aquele momento tinha acabado. Era uma nova fase e era o que eu queria para minha vida. Então, quando a minha mãe ligava, eu escondia o que sentia e dizia que estava tudo bem – conta Thierry.

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Agora, prestes a chegar ao último ano de formação em uma instituição com nome para abrir portas em qualquer companhia e universidade internacional, o adolescente pode sentir-se protegido. Na Escola Bolshoi, 45% dos 226 alunos são rapazes, e o preconceito contra os homens no clássico não ultrapassa as paredes da instituição, nem caminha ao lado na escola de ensino médio onde boa parte dos colegas também são alunos de balé.

Agora, quando Thierry volta para casa para visitar a família, é parado na rua por outros garotos. Mas não há mais violência nas palavras: ele recebe elogios e, algumas vezes, agradecimentos. Curiosamente, depois que ele começou a se destacar como bailarino, depois que foi tema de reportagens nos jornais do interior de São Paulo pela aprovação no Bolshoi, a escola municipal de dança de Santa Gertrudes começou a receber várias matrículas de meninos. Eram jovens que tinham a mesma vontade, mas só com a coragem dele tiveram forças para deixar de lado as ideias preconcebidas e a reprovação da comunidade para que também pudessem começassem a dançar.

– No ano passado, participei do encerramento do festival de dança da cidade. Tinha mil pessoas assistindo e até quem antes me xingava veio me cumprimentar – conta.

Entenda como a dança leva os jovens ao limite para realizarem seus sonhos