Quem vive às margens de uma rodovia tem ou conhece alguém com o sofrimento de perder um parente vítima de atropelamento. Os relatos surgem aos montes nas comunidades separadas por estradas de trânsito intenso, como a de Araquari, no Norte do Estado, um município cortado pela BR-101. Nesses lugares, pessoas se arriscam diariamente para fazer as tarefas básicas, como ir ao mercado ou consultar um médico.

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A família que perdeu o pequeno Emerson Júnior, o Juninho, de quatro anos, na noite do último domingo, sofre há muito mais tempo com a falta de uma passarela para pedestres. No mesmo trecho da BR-101, km 74, em Araquari, onde o menino estava na garupa da bicicleta do pai Emerson da Silva, 40 anos, quando foi atingido por um carro, tios e avós de Juninho já amargaram perdas que, se não foram fatais, ficaram dolorosamente marcadas para sempre na vida deles.

Foi ali que a avó materna de Juninho, Marlene Borges de Jesus, 63 anos, também foi atropelada há cinco anos. O acidente aconteceu quando ela estava no acostamento, se preparando para passar pela mesma brecha entre a mureta que separa as vias Norte e Sul, trecho que pai e filho usariam para atravessar a rodovia naquele domingo. Ganhou oito pinos na perna e a companhia permanente das muletas.

– Desde o acidente, não tive mais coragem de passar por lá – conta Marlene, que, para ir ao posto de saúde que fica do outro lado da BR-101, precisa chamar uma ambulância.

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Mãe de oito filhos, todos moradores da região, Marlene também sente as dores da filha Rosa, atropelada por uma moto, e do filho Marcelo, atingido por uma carreta. O caso de Marcelo foi há menos de dois anos, quando por muito pouco não morreu: ficou em coma durante dois meses e meio e hoje tem dificuldades para andar, além de problemas de audição e de visão.

– Imagine eu assim, sem conseguir andar direito, e tendo que cuidar dele, dar banho, fazer curativos. Dependia de mim para tudo – recorda Marlene.

Protestos na rodovia resultam em pedido oficial à ANTT

A morte do menino Juninho foi a gota d?água para a comunidade de Araquari, que chegou a fechar por duas vezes o trecho para protestar – a primeira, pouca horas depois do acidente, e a segunda vez na terça-feira. A manifestação chegou à Prefeitura, à Autopista Litoral Sul e à Polícia Rodoviária Federal, que participaram de reuniões para discutir uma solução para o trecho entre o km 73 e o km 76 da BR-101.

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O vice-prefeito de Araquari, Clenilton Carlos Pereira, que tomou a frente do caso, diz que a construção da passarela é uma responsabilidade da Autopista Litoral Sul, mas, antes, precisa ser autorizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Como a obra envolve desapropriações, a perspectiva mais otimista da Prefeitura é de que a passagem para pedestres seja construída até 2016.

– Orientados pela concessionária, que se mostrou solidária ao caso, enviamos na segunda-feira um ofício para a ANTT, em Brasília – contou o vice-prefeito.

Segundo Pereira, este procedimento foi feito pela primeira vez, apesar de a comunidade local reclamar há anos. O ofício é necessário para que a concessionária responsável pela manutenção da rodovia receba autorização do órgão nacional para a construção. Depois disso, é possível que a Autopista Litoral Sul ainda receba um pedido para a realização de um estudo que comprove a necessidade da obra.

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O presidente da Associação de Moradores do Itapocu, José Carlos dos Santos, afirma que a entidade chegou a fazer um pedido formal para a Autopista em 2009. O documento solicitava duas passarelas: uma no km 73 e outra no km 76,5, no retorno antes do pedágio de Barra Velha e nas marginais no mesmo trecho. A associação de moradores, no entanto, não obteve resposta.

– Na época, pediram o número de moradores. Fui de porta em porta, contei 400, mas imagino que hoje tenha mais de mil pessoas que precisem desta passagem.

Autopista contrata estudo sobre relevância de travessia

Antecipando o pedido da ANTT, a Autopista já contratou o estudo que comprove a necessidade da passarela no trecho. O gerente de operações da Litoral Sul, Ademir Custódio, informou que todas as passarelas previstas no contrato da concessionária, assinado em 2008, já foram executadas ou estão em fase de execução – são 39 construções de novas passarelas no trecho que a Autopista administra, que liga Curitiba a Palhoça, na Grande Florianópolis, pelas BRs 376 e 101, além do Contorno Leste de Curitiba (BR-116).

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Ao longo da BR-101, entre Barra Velha e Garuva, existem seis passarelas: duas estão em Barra Velha, no km 89 e km 90; quatro em Joinville, nos quilômetros 23, 26, 29 e 40. Há também 25 pontos alternativos de passagem de pedestres, como viadutos e túneis.

A empresa não tem outros pedidos de acesso além do apresentado por Araquari.

– Este fato é inédito, será o primeiro processo novo de construção de passarela – afirma Ademir.

Segundo ele, é possível que, quando a Autopista Litoral Sul assumiu a concessão da rodovia, a necessidade de uma passagem de pedestres no km 73 da BR-101 era menor e, por isso, não entrou na lista das 39 novas obras.

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A Polícia Rodoviária Federal não tem um levantamento do número de acidentes envolvendo pedestres no trecho entre Barra Velha e Joinville, mas apoia a construção de um passarela para Araquari.

Obra deixa insegurança no passado

Na mesma rodovia onde a família Silva de Jesus contabiliza sofrimentos, outros moradores deixaram a insegurança no passado. Em Barra Velha, duas passarelas em uma distância de um quilômetro salvam vidas diariamente. É por elas que os primos Jomerson dos Santos, 27 anos, e Hele Gonçalves, 33 anos, (foto acima) passam todos os dias com segurança, oportunidade que não existiu para outros parentes próximos.

– Perdi meu pai e meu irmão por aqui – conta Hele, enquanto atravessava a via, nesta quinta-feira de manhã, pela construção de concreto.

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Ele ainda era criança quando o pai morreu, à noite, atingido por uma carreta. Poucos anos depois, o irmão de 13 anos também foi atropelado quando tentava chegar à outra margem para pegar goiabas em um terreno baldio.