Subdivididos em múltiplos grupos, e em número maior do que nas marchas anteriores, arruaceiros conseguiram suplantar a estratégia da BM. Alastraram-se por ruas centrais, depredaram mobiliário urbano, saquearam lojas, quebraram carros, incendiaram contêineres. Os atos de vandalismo revoltaram a população.

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Jovens e adolescentes, pertencentes a 15 ou 20 bondes, como são chamados, vindo de diversos bairros da Capital e de cidades da Região Metropolitana, se misturaram à multidão e fragmentaram a passeata ao rumar para caminhos diferentes do grande grupo em ruas do Centro e da Cidade Baixa. A BM, que nos momentos mais críticos das manifestações anteriores impôs uma espécie de frente única, com pelotão de PMs em linha, precisou se subdividir.

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Um considerável número de PMs estava, desta vez, em viaturas, estrategicamente postados em locais considerados alvos preferenciais mais afastados da marcha principal. Os policiais foram acionados de imediato. Prenderam 48 suspeitos (13 foram recolhidos ao Presídio Central sob suspeita de crimes de furto, roubo e dano) e apreenderam 17 adolescentes. Mas as ações foram insuficientes para evitar a depredação ou saques a prédios públicos, estabelecimentos comerciais, nove agências bancárias, 21 estabelecimentos comerciais. Pelo menos 30 contêineres foram incendiados.

– A polícia preservou espaços politicamente importantes, mas outros locais ficaram descobertos. Houve perda de referências, com pessoas aproveitando para agir sem repressão. É preciso uma reavaliação pela polícia e pelos grupos de manifestantes – analisou o sociólogo Rodrigo de Azevedo, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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Especialista em segurança estratégica, Gustavo Caleffi disse que a BM tem mapeado os grupos organizados, e lembrou que a situação se agravou por conta dos bandos não organizados.

– A proporção do problema extrapolou todos os limites. Acho que a BM está agindo no formato adequado – opinou Caleffi.

O secretário da Segurança Pública, Airton Michels, reconheceu o avanço da delinquência, mas avaliou como “satisfatória” a ação.

– A Brigada teve o mesmo comportamento profissional, obedecendo a orientação do governador de priorizar vidas. O resultado das prisões é bom. Se não tivesse prendido 65, a cidade estaria desgastada hoje (ontem) – afirmou Michels, ontem à tarde, em entrevista coletiva.

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O poder das gangues

Eles fazem parte da paisagem do centro de Porto Alegre. E os atos de protesto têm sido uma oportunidade de ouro para exercerem seus ofícios: bater, roubar e furtar. Em linhas gerais, é esse o perfil das dezenas de gangues de adolescentes, vindas de várias cidades da Região Metropolitana, que se envolvem em assaltos a pedestres, furtos e arrombamentos de lojas na área central da Capital.

Há duas semanas, Zero Hora observa e conversa com esses jovens. A rotina deles, que está registrada nas delegacias, chamou a atenção do delegado Hilton Muller, titular da 17ª Delegacia da Polícia Civil (Centro). Durante a semana, eles dormem em pequenos hotéis nos arredores da Estação Rodoviária da Capital. Ali, pagando uma diária de R$ 10, acomodam-se como podem, inclusive dormindo pelos corredores. Durante a tarde, os adolescentes saem para fazer os ataques a pedestres e ao comércio. Conforme a polícia, a maioria do material furtado e roubado seria vendida para receptadores.

Os laços que unem os membros das gangues são fortes. Isso por serem, geralmente, moradores da mesma rua e por alguns terem elos de parentesco. Eles têm um único mandamento: não deixar passar a oportunidade de furtar ou roubar. E foram os resultados dos saques na primeira semana das manifestações que acabaram tornando o evento uma espécie de “eldorado das gangues”.

Distinguem-se pelos trajes: bermudão, rosto coberto, mochilas nas costas e tênis. Na quinta-feira passada, começaram a agir depois dos primeiros confrontos entre manifestantes e a Brigada Militar (BM). Minutos depois de iniciarem os enfrentamentos, duas gangues atacaram, com pedras e paus, o Centro Comercial João Pessoa. Depois, subiram pela Avenida João Pessoa, em direção ao centro da cidade, quebrando vidraças do comércio e levando o que encontravam pela frente. Deixaram um rastro de destruição, inclusive numa agência do Banrisul. Na noite de segunda, pela primeira vez as gangues enfrentaram uma ação organizada dentro da passeata. Jovens dos movimentos sociais, aliados à juventude de partidos políticos e a sindicalistas, identificaram as gangues e tentaram impedir os atos violentos dos grupos infiltrados.

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A ação de isolamento das gangues funcionou por um determinado tempo. Acabou sendo derrotada quando parte do grupo se desgarrou e passou a saquear lojas e carros na Cidade Baixa e, mais tarde, pela região central. Na manhã de ontem, enquanto os comerciantes contabilizavam os prejuízos, adolescentes de gangues observavam o protesto de professores na frente da prefeitura.

Os presos

– Foram detidas 65 pessoas por envolvimento nos distúrbios na noite de segunda-feira, na Capital: 48 adultos e 17 adolescentes, moradores de Porto Alegre, Canoas, Esteio e cidades vizinhas.

– Entre os adultos, 13 foram autuados em flagrante por roubos e furtos e recolhidos ao Presídio Central de Porto Alegre, sendo dois deles por assaltos a pessoas que participavam da marcha.

– Nenhum dos 13 presos já tinha sido detido durante as passeatas anteriores e 11 deles têm antecedentes criminais. Outros sete jovens vão responder a termo circunstanciado por posse de drogas.

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