Duas visões de liberdade se digladiaram nas últimas horas em solo brasileiro: de um lado, militantes que consideram quaisquer opiniões críticas ao regime de Cuba viciadas por inimigos. De outro, aqueles que, simpatizantes ou não do socialismo cubano, consideram a troca de ideias elemento essencial da democracia.
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O confronto se deu com especial tensão na noite de segunda-feira. Em Feira de Santana, na Bahia, protestos de militantes simpáticos ao regime cubano fizeram com que o lançamento do documentário Conexão Cuba-Honduras, do cineasta brasileiro Dado Galvão, fosse cancelado. A blogueira crítica ao governo Yoani Sánchez, que participa do filme e está em visita ao Brasil, foi insultada e manifestou a contrariedade pelo tom das ofensas.
_ Os gritos, os insultos, foi como se tivessem sido orquestrados por terroristas. Eu sou uma pessoa pacífica e trabalho com o verbo, com a fala, não tinha por que tanta agressividade. O que pude ver e questionar no debate foi que eles não leem o que eu escrevo no meu blog _ disse ela, em entrevista na Câmara dos Dirigentes Lojistas de Feira de Santana .
Depois, em seu blog Generación Y, ela foi ainda mais enfática na demonstração de desconforto: “Todos tinham, por exemplo, o mesmo documento _ impresso em cores _ com uma série de mentiras sobre a minha pessoa, tão maniqueístas como fáceis de rebater em uma simples conversação. Repetiam um roteiro idêntico e sovado, sem a menor intenção de escutar a réplica que eu poderia dar-lhes. Gritavam, interrompiam, em um momento se puseram violentos e, de vez em quando, lançavam um coro de palavras de ordem dessas que não se dizem nem em Cuba.”
E completou, no mesmo tom:
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“Com a ajuda do senador Eduardo Suplicy e a calma ante adversidades que me caracteriza, conseguimos começar a falar. Resumo: apenas sabiam berrar e repetir as mesmas frases, como autômatos programados. (…) Eles tinham as veias do pescoço inchada, eu esboçava um sorriso. Eles me faziam ataques pessoais, eu levava a discussão ao plano de Cuba, que sempre será mais importante que esta humilde servidora. Eles queriam me linchar, eu queria conversar. Eles respondiam a ordens, eu sou uma alma livre. (…) Eu podia ver o longo braço que os move desde a Praça da Revolução, em Havana.”
Em nota, a União da Juventude Socialista, que participou da manifestação, negou ter havido qualquer agressão a Yoani e disse que “defende a livre manifestação de ideias” e explicou: “Justamente por isso, para que todas as visões sejam apresentadas, é que participamos das manifestações relativas à visita da blogueira cubana ao nosso país.”
O “objetivo”, segundo a entidade, foi de “romper o cerco imposto pela mídia monopolista”. Segundo a UJS, “Yoani é um instrumento financiado pelo imperialismo americano e europeu com objetivo de desestabilizar a heroica resistência do povo cubano”.
Também ontem, em meio ao debate, os organizadores do Fórum da Liberdade confirmaram que Yoani virá a Porto Alegre em 9 de abril, para um painel previsto para as 17h30min. No dia seguinte, ela segue para Buenos Aires, onde participará de outro evento. De acordo com o presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), Michel Gralha, o mais recente contato com a cubana para tratar da sua vinda foi feito em 10 de fevereiro.
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A Secretaria-Geral da Presidência da República reconheceu ontem, por meio de nota, que um servidor recebeu, na embaixada de Cuba no Brasil, um CD com informações sobre Yoani. Diz, contudo, que ele não usou os dados. Reportagem da revista Veja afirma que integrantes do governo articularam plano de espionagem e pedido de divulgação do dossiê contra Yoani. Os dados teriam sido distribuídos a militantes de esquerda. Entre eles, estaria Ricardo Poppi Martins, funcionário da secretaria.