O Brasil tem uma velha tradição de cinema de aventura – a mitologia do cangaço, por exemplo, deve muito aos filmes nacionais.

Continua depois da publicidade

Xingu recupera esta tradição, que estava um tanto esquecida, com forte apelo humanista e social. Bem recebido no Festival de Berlim (em fevereiro), selecionado para o Tribeca Film Festival (que começa no dia 18), o longa chega hoje a cerca de 180 salas de cinema do país.

Dirigido por Cao Hamburger (de Castelo Rá-Tim-Bum e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias), Xingu narra a jornada dos irmãos Villas-Bôas desde seu embarque numa expedição de desbravamento do sertão, nos anos 1940 (leia mais na página 4), até a criação da maior reserva indígena do continente americano, em 1961 (são 27 mil quilômetros quadrados situados no norte do Mato Grosso). Heróis da causa a que se dedicaram, Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat) vivenciam dramas existenciais e mundanos entre as batalhas por território e o envolvimento sentimental com índias locais – tudo resumido de forma eficiente pelo roteiro que Cao escreveu em parceria com Elena Soarez e Anna Muylaert (a diretora de É Proibido Fumar).

Xingu mira o grande público – por sua ampla capacidade de comunicação com o espectador, somada ao apelo internacional do tema, desponta desde já como possível representante brasileiro no Oscar 2013. O melhor do filme é que ele emociona sem os excessos de música e dramaticidade comuns a títulos com este perfil. É a introspecção de Cláudio, o protagonista, entre os três Villas-Bôas aquele que mergulhou mais profundamente no dia a dia dos índios, o motor dramático do filme – o que significa que Xingu é, também, um longa de caráter intimista.

João Miguel, como de costume (leia-se longas como Estômago e novelas como Cordel Encantado), está ótimo. Alcançar seu nível é difícil, mas o filme não perde força quando Felipe Camargo toma a frente da narrativa – o personagem de Caio Blat volta a São Paulo antes e quase desaparece da trama. O elenco de apoio é formado em parte por descendentes de índios e atores não profissionais, o que não tira a harmonia de Xingu, ao contrário, dá força à sua dramaturgia. É justamente ao conjugar diferenças que o filme é bom: tem ao mesmo tempo a força política de Orlando (o interlocutor dos Villas-Bôas com Brasília), a capacidade de envolvimento de Cláudio (que praticamente virou um dos índios do Xingu) e o distanciamento de Leonardo – como todas as boas ficções biográficas, não assume as causas de seus personagens.

Continua depois da publicidade

Leia entrevista com Cao Hamburger

Confira o trailer de Xingu

Os Villas-Bôas

O filme de Cao Hamburger conta a jornada de Orlando (1914 – 2002), Cláudio (1916 – 1998) e Leonardo Villas-Bôas (1918 – 1961), interpretados respectivamente por Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat, a partir da Expedição Roncador-Xingu, criada pelo governo federal em 1943 com o objetivo de desbravar e ocupar as áreas que até então eram mostradas em branco nas cartas geográficas brasileiras.

O que Xingu não aborda é que a expedição fazia parte de um plano maior de ocupação e integração do território nacional, criado pelo ex-presidente Getúlio Vargas (1882 – 1954) em 1938 e intitulado Marcha para o Oeste.

Nascidos no interior de São Paulo, os Villas-Bôas se mudaram ainda crianças para a capital paulista. Com a morte da mãe Arlinda e do pai, o advogado Agnello Villas-Bôas, eles decidiram aderir à expedição, e só se tornaram sertanistas, tomando partido pela causa indígena, ao fazer contato com as tribos da região do Xingu.

Idealizado pelo trio, o Parque Nacional do Xingu foi oficialmente criado pelo governo federal em 1961. Àquela altura, já existia no país um Serviço de Proteção aos Índios – o antropologo Darcy Ribeiro, autor do texto do projeto de criação da reserva indígena, era um de seus funcionários.

Continua depois da publicidade

Leonardo, que abandonara a causa precocemente, morreu em 1961. Cláudio e Orlando viveram na selva entre 1945 e meados da década de 1980, quando voltaram a morar em São Paulo.

Leia entrevista com Cao Hamburger

XINGU

De Cao Hamburger. Com João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Maria Flor, Maiarim Kaiabi e Awakari Tumã Kaiabi.

Aventura, Brasil, 2012. Duração: 102 minutos. Classificação: 12 anos.

Estreia nesta sexta-feira

Cotação: 4 de 5