Cuiabá, Mato Grosso. 20 de agosto de 2019, 19h30min. “Olá, Fabian! Boa noite a você e aos telespectadores do NSC Notícias. O Figueirense vai perder a partida marcada para às 21h30min, diante do Cuiabá, na Arena Pantanal, pela 17ª rodada da Série B, por W.O. Os atletas se recusam a entrar em campo”. O desfecho que tive de informar ao vivo em TV aberta para toda Santa Catarina é inusitado, porém passa longe de ser surpreendente. O episódio marcado na história do Figueirense completou um ano nesta quinta-feira, dia 20, e havia sido alertado.
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– Amanhã os atletas falaram que não vai haver treinamento. Corre o risco do Figueirense não entrar em campo. Estou falando e parece que estamos blefando. Houve situações que até já olhamos o que irá penalizar para o clube – disse, às lágrimas, o técnico Hemerson Maria, alvinegro de infância.
O W.O., cuja multa custou R$ 3 mil, aconteceria três semanas após esta entrevista. A lista de motivos é ampla. Jogadores, comissão técnica e funcionários acumulavam meses sem receber salários ou respostas de quando isso poderia ocorrer. A ajuda de custo que deveria ser paga aos atletas de base estava prestes a completar um ano sem ser depositada. No alojamento do Estádio Orlando Scarpelli, relatos de garotos que não tinham dinheiro para comprar uma pasta de dente ou um pacote de bolacha.
Sem ônibus para as categorias de base treinar, havia duas opções. Ou cancelavam os treinos ou os técnicos “rachavam” alguns motoristas de aplicativo para que os meninos pudessem chegar ao CFT do Cambirela, em Palhoça, na Grade Florianópolis. Faltavam remédios no departamento médico. Nem mesmo a psicóloga do clube suportou o clima: rescindiu o contrato por falta de pagamento e foi embora. Como fariam outros profissionais, a exemplo do goleiro Denis.
Do outro lado da mesa estava Cláudio Honigman, empresário carioca que chegou ao comando do clube assumindo um contrato de cessão do Figueirense assinado em 2017. Na presidência, contratava empréstimos utilizando direitos de atletas menores de idade como garantia, mostrou à época reportagem publicada no NSC Total. Afastado um mês depois do W.O., ele tentou remover o clube do Campeonato Brasileiro. Seriam dois anos fora da competição nacional. Honigman é processado pelo clube.
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Cláudio Honigman deixou o Brasil após ser afastado do comando do Figueirense e foi punido STJD com um ano de suspensão do futebol e multa de R$ 20 mil pela comunicação falsa de desistência do clube da Série B. Em entrevista à Rede Globo, o empresário negou irregularidades em negociações e falou sobre as exigências de pagamentos feitas pelos atletas antes do W.O.
– A chantagem feita pelos jogadores é uma coisa que aprendi há muito tempo nos meus negócios. É impossível negociar com terrorista – afirmou o ex-presidente.

Porta-voz dos atletas alvinegros, o volante Zé Antônio, que atualmente está sem clube, diz não se arrepender do episódio:
– Mais do que nunca avalio que estávamos do lado certo da história. Por muitas vezes não fomos entendidos. Fomos até o limite do diálogo, não foi possível e aconteceu desta maneira.
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Um ano depois do W.O., como está o clube
Se gera vergonha em uma parcela da torcida alvinegra, o ato de não entrar em campo na Arena Pantanal mostrou ao Brasil e ao mundo que havia algo errado no Estádio Orlando Scarpelli. A remoção da empresa Elephant por vias legais abriu espaço para uma nova eleição no clube, que agora é presidido por Norton Boppré. O rombo nas finanças durante os dois anos de gestão foi de R$ 87 milhões, segundo auditoria contábil contratada pelo Figueirense.

Após ter passado 18 rodadas sem vencer na Série B do ano passado, o time evitou o rebaixamento. O Alvinegro segue vivo na Copa do Brasil, mas foi eliminado nas quartas de final do Catarinense.
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Com foco na reestruturação financeira, a nova diretoria não fez contratações de impacto para a disputa da Série B nacional, onde ainda não venceu. Ainda há salários em atraso no clube. Em reestruturação, o Figueirense busca um novo caminho no rumo ao centenário, a ser celebrado em 12 de junho de 2021, para festejar uma rica história do clube mais vezes campeão de Santa Catarina.