A ofensiva contra o crime em Santa Catarina, com a chegada da Força Nacional, foi tema de uma reportagem do jornal americano Wall Street Journal, no domingo. O correspondente John Lyons esteve em Florianópolis para relatar o clima de tensão no Estado nas últimas semanas. O colunista do Diário Catarinense Moacir Pereira foi um dos entrevistados pelo repórter. Abaixo, leia a reportagem na íntegra:
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Brasil envia tropas para deter ataques vinculados a quadrilhas prisionais
John Lyons/Florianópolis
O Brasil enviou tropas da Força Nacional ao normalmente tranquilo estado costeiro de Santa Catarina para ajudar as autoridades locais a frear uma onda de ataques incendiários, sobretudo em ônibus e instalações municipais. Os ataques seriam alegadamente organizados por quadrilhas baseadas em prisões com ligações ao crescente tráfico ilegal de drogas no país.
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Nos ataques a ônibus, grupos de jovens com armas e facas mandam os passageiros saírem, espalham gasolina nos bancos e então põem fogo nos veículos com coquetéis Molotov, conforme relatos de agentes do Estado e motoristas de ônibus.
Dezenas de ataques apenas neste mês deixaram partes de algumas cidades sob potenciais toques de recolher quando ônibus pararam de operar após escurecer, uma transformação incomum em um estado ensolarado conhecido por sediar competições de surfe.
– A grande questão que estamos nos perguntando é: “Como isso chegou a Santa Catarina?” – diz Moacir Pereira, colunista do jornal Diário Catarinense.
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De fato, os ataques marcam um crescimento perturbador nas quadrilhas criminais baseadas em prisões do Brasil, as quais têm usado celulares roubados para permanecerem ativos no submundo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro por anos. Os grupos ganharam forçs ultimamente organizando vendas de drogas em meio a uma onda de consumo no Brasil, que é hoje o segundo maior mercado global para drogas atrás apenas dos Estados Unidos, de acordo com a ONU.
A violência também lança uma nova luz às condições muitas vezes apavorantes das prisões brasileiras. As quadrilhas estão usando os incêndios em ônibus em parte para protestar pela falta de saneamento, tratamento médico e outros problemas, admitem algumas fontes.
Em meio aos ataques, um vídeo de segurança veio à tona mostrando guardas de uma prisão em Santa Catarina atirando gás lacrimogêneo e balas de borracha em prisioneiros sentados, seminus e que não ofereciam resistência. Policiais de Santa Catarina dizem que o vídeo é autêntico e estão investigando o incidente.
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A população prisional do Brasil explodiu na última década quando o governo tornou as sentenças mais rígidas para driblar os altos níveis de homicídio. Em algumas prisões do país, a superpopulação atingiu tamanha proporção que os prisioneiros dormem em turnos enquanto os outros se esmagam nas grades e dormem em pé. A natureza darwiniana da vida prisional brasileira tem fornecido território fértil para as quadrilhas prisionais prosperarem, afirmam especialistas em violência prisional.
São Paulo, a maior cidade brasileira, foi paralisada por uma onda de queimas de ônibus em 2006, comandadas pela sua maior quadrilha, o Primeiro Comando da Capital, ou PCC, de acordo com as autoridades. Muitos dos líderes daquela quadrilha foram enviados para prisões remotas, mas o grupo se rejuvenesceu, afirmam. Ano passado, o grupo ordenou que membros de fora da prisão matassem agentes da polícia, de acordo com policiais. Mais de 100 agentes foram mortos, muitos em emboscadas.
Funcionários do governo de Santa Catarina dizem que uma gangue local modelada a partir do PCC surgiu nas cadeias de lá, chamada Primeiro Grupo Catarinense, ou PGC. O Estado se tornou um ponto de entrada importante para ecstasy, assim como um mercado para cocaína, e as quadrilhas lucram com o comércio ilegal.
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As quadrilhas usam violência e telefones celulares, que são fáceis de contrabandear para dentro das caóticas prisões, para controlar e conseguir lucros provenientes de drogas e grandes assaltos, de acordo com oficiais. Agentes do Estado acreditam que um catalisador fundamental para os ataques a ônibus foi a recente prisão de uma advogada que, de acordo com eles, organizava as finanças das gangues e agia como uma conexão com os membros de fora da cadeia. A advogada foi acusado de ter ajudado a organizar a tentativa de homicídio de um funcionário de uma prisão ano passado, durante a qual a mulher do funcionário foi morta. A advogada, que está esperando julgamento, contesta as alegações.
Por enquanto, Santa Catarina está tomando uma página do livro de combate à onda de crimes de São Paulo. A estratégia é centrada em transferir os líderes de quadrilhas, suspeitos de serem os responsáveis pelos ataques, para prisões federais de segurança máxima em regiões afastadas, onde eles estariam incomunicáveis – exatamente como foi feito em São Paulo em 2006. Durante o final de semana, a polícia federal levou 40 prisioneiros de bermudas e camisetas laranjas das prisões onde estavam e os transportaram em aviões da força aérea.
– Drogas e o consumo delas são um novo fenômeno social que estão tendo um impacto [no país], e nós precisamos criar maneiras de lidar com isso – disse o governador Raimundo Colombo no domingo.
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Um trabalho fundamental para as recém-chegadas tropas da Guarda Nacional será reforçar a segurança das prisões locais para reprimir possíveis tumultos e outras represálias por membros das quadrilhas que se opõem à transferência de seus líderes.
Outras medidas policiais incluem incursões nos finais de semana às casas de mais de cem pessoas suspeitas de trabalharem para as quadrilhas prisionais. Ao mesmo tempo, a polícia agora está escoltando ônibus cujas rotas passam pelos bairros de classe trabalhadora onde a maioria dos ataques ocorreu.
A chegada das tropas nacionais trouxe uma sensação de alívio cauteloso aos motoristas no terminal de ônibus no centro de Florianópolis, que abriga várias das linhas que sofreram ataques.
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– Não estou totalmente aliviado ainda, já que é claro que se eles quiserem voltar a fazer isso eles podem – disse Ricardo Ferreira, que tem dirigido um ônibus há onze anos pela linha Insular em Florianópolis.