A derrota da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados veio depois de uma ponta de esperança para os governistas. Se, até meados de março, predominavam os protestos por sua saída, a crescente mobilização nas ruas contra o impeachment deu novo fôlego para Dilma Rousseff e seus aliados. A nova conjuntura se refletiu em números: a porcentagem de brasileiros que apoiavam o impeachment caiu de 68%, em março, para 61% neste mês, segundo o Datafolha. De outro lado, críticos da presidente simbolizavam a insatisfação traduzia pela baixa popularidade de seu governo, mergulhado em uma crise econômica.

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O recado das ruas parece claro: o Brasil está dividido. Mas analistas concordam que há muito mais a ser examinado nesse fenômeno e que, por trás da polarização, há complexos processos sociais. Qual o impacto efetivo da voz das ruas nas decisões políticas no país? Segundo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP, “a influência existe, mas é difícil de ser verificada e é bastante indireta”:

— Na hora de votar, o parlamentar precisa responder a seu eleitorado, mas ele não sabe exatamente qual é esse eleitorado e como vai reagir nas próximas eleições. Então, o impacto (das manifestações) é difuso.

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O professor, que coordena pesquisas sobre manifestações, afirma que os dois polos verificados nas ruas — contra e a favor do impeachment — representam, em sua maioria, a mesma parcela socioeconômica da população:

— De um lado e de outro, a mobilização está concentrada na classe média, basicamente em pessoas com mais de 35 anos. Isso significa que os mais jovens, os mais pobres e os menos escolarizados, aparentemente, estão menos polarizados. Mas são setores menos visíveis. Talvez estejamos olhando para esse processo de polarização achando que é o Brasil inteiro quando, na verdade, são pessoas mais velhas da classe média.

A impressão é reforçada pela influência das redes sociais, uma novidade em relação ao impeachment de Collor — a própria internet só viria a ser utilizada comercialmente pela população brasileira a partir de 1995. Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio e professor da ESPM Rio, afirma que a percepção depende da “bolha” em que se insere cada usuário das redes sociais:

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— Você fala no Twitter com pessoas que pensam como você e vê no Facebook pessoas que postam conteúdo parecido com o seu. Ninguém nas redes sociais está vendo a realidade. Isso cria um fenômeno de extremismo, de polaridade. Quem era a favor do impeachment achava que todo mundo também estava a favor, e vice-versa.

Segundo o pesquisador, a pluralidade de informações e opiniões nas redes sociais também diferencia este momento da época do impedimento de Collor:

— Naquele contexto, as grandes fontes de informação eram os veículos de comunicação. A partir do momento em que os veículos fecharam a posição de que a mudança era necessária, havia apenas um enquadramento. O impeachment virou um dever cívico. Hoje, os dois lados estão bem representados. A cerca montada em Brasília dá a entender que o Brasil está dividido, mas o que acontece cada vez mais é que as pessoas estão se cansando de política, o que é preocupante. Quando a sociedade não exerce o controle e acha que é tudo farinha do mesmo saco, as piores partes da farinha têm campo fértil para fazer o que quiserem.

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— Temos um sistema desconectado das ruas, seja das demandas de direita, de esquerda ou das duas. Nosso sistema político é alheio a isso, funcionando de acordo com os próprios interesses e os interesses das pessoas que os financiam. Ao mesmo tempo, temos uma população cada vez mais insatisfeita, que, desde 2013, passou a ocupar as ruas, sem falar nas redes sociais. O ativismo político, antes reservado a determinados momentos, passou a ser frequente na vida política brasileira.

Comparando com as jornadas de 2013, Neto receia que o impeachment possa ser utilizado como cortina de fumaça para mascarar a ausência de mudanças estruturais em um sistema político viciado:

— As manifestações de 2013 traziam demandas potentes, como mais democracia, transparência, educação e saúde. Estas causas foram “afuniladas” pela esquerda na forma da campanha pela reeleição de Dilma em 2014. Foi um amesquinhamento de um projeto maior em nome da continuidade do PT no poder. Hoje, vemos algo semelhante ocorrer, desta vez da parte da direita ou dos grupos que não simpatizam com Dilma: a demanda por uma revisão geral no sistema político está sendo “afunilada” na ideia do impeachment.

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