Duas décadas após patrocinar uma tentativa de golpe de Estado, uma década depois de sobreviver ele mesmo a um golpe patrocinado pelos adversários, o militar Hugo Chávez enfrenta neste domingo mais um desafio à obstinada busca por socialismo e poder (não necessariamente nesta ordem). Pela primeira vez, ele se bate contra uma oposição renhida e dentro da lei – que quer retirá-lo do poder pelas urnas e não pelas armas.

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O Chávez que disputa pela terceira vez o cargo de “El Presidente” venezuelano é bem diferente do vibrante milico que encadeava seis horas de discursos, no primeiro mandato. É um homem abalado pelo câncer, descoberto há pouco mais de ano, que agora mede suas aparições em público. E cuja proposta socializante começa a sofrer desgastes. Talvez não o suficiente para perder uma eleição, mas com certeza para entender que não é adorado por todos, como apregoam cartazes espalhados por todo o país, seguindo o modelo soviético em voga décadas atrás.

A exemplo do que ocorre em Cuba, o desafio de tentar montar um regime apartado da maioria das potências econômicas ocidentais cobra seu preço. Fruto da estatização de grande parte dos supermercados e fazendas, há desabastecimento no setor de alimentos. Mesmo que não falte quantidade, falta variedade nos mercados venezuelanos. Indústrias, como a de cimento e a de siderurgia, não produzem o suficiente para abastecer o país. Eletrodomésticos existem, chineses, pelas novas parcerias a que Chávez se forçou. Os setores recentemente estatizados e pouco produtivos da economia só não sucumbem graças a uma receita centenária da Venezuela: os lucros com a exportação de petróleo. É a exploração do óleo que permite a Chávez anunciar na TV, às vésperas da eleição, um plano para construir 3 milhões de moradias (sim, você leu certo) até 2019. É como se uma em cada três famílias venezuelanas ganhasse casa nova.

– Só em Caracas estão anunciadas 14 mil casas e apartamentos para favelados, a serem construídos de forma emergencial em dois anos. E vamos fazê-los – garante a arquiteta

Paola Posani, da prefeitura de Caracas e chavista de primeira hora, em entrevista a ZH.

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E são os favelados (ou ex-favelados) os responsáveis pela maioria que Chávez exibe nas pesquisas. Ele também implantou, em novembro de 2011, o Bolsa-Família, aos moldes brasileiros. Iniciativa, aliás, que seu grande adversário deste domingo, o advogado Henrique Capriles, promete manter. Sabedor de que os venezuelanos não querem sepultar o viés de esquerda de uma hora para outra, Capriles diz ter uma inspiração: Luiz Inácio Lula da Silva.

Com casa e comida no prato dos eleitores, Chávez talvez até tivesse a terceira eleição garantida, não fosse um fantasma que cada vez mais assombra a Venezuela: a violência urbana. A taxa de homicídios, que em 2011 já alcançava assustadores 50 assassinatos para cada 100 mil habitantes/ano (duas vezes a brasileira), passou para 67 por 100 mil habitantes. Está entre as três primeiras da América. Fenômeno que a esquerda, adepta da teoria de que o crime é provocado pelo desigualdade social, não consegue explicar bem – afinal, os números oficiais indicam que a pobreza na Venezuela atinge hoje 27% da população, contra 47% em 1999.

É para ver o que pesa mais – o medo do futuro ou os avanços do passado – que os venezuelanos afluem às urnas neste domingo, numa campanha acirrada e prestigiada como o país jamais viu.

Era Chávez: gratidão pela casa popular

Iglê Pacheco, 45 anos, habitava uma favela até um ano atrás. Vivia na casa da mãe, um quarto e sala dividido com o marido e dois filhos. Agora, tem um apartamento com três quartos e dois banheiros construído pelo programa Grán Misión Vivienda, o plano habitacional inspirado no Minha Casa, Minha Vida, do Brasil. Iglê vai pagar pouco, pouquíssimo, pela casa própria – nem chegou a perguntar quanto.

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– Um máximo de 10% do salário. Por isso vou votar em Chávez – explica a dona de casa, moradora da Avenida Bolívar, em Caracas.

Por isso, também, uma faixa com a figura do comandante cobre suas janelas. Parte das moradias é entregue nas chamadas “Quintas da Casa Própria”, em que ministros anunciam na TV estatal quem serão os novos beneficiados pelo programa.

Com Capriles: contra a violência e a opressão

Dayana Figueira, 30 anos, é professora de Contabilidade na Universidade Católica Andrez Velho (em Caracas) e desfila com boné de Capriles na cabeça. Passeia com ele no shopping e tem feito algo que jamais pensou fazer antes: atuado como cabo eleitoral nas sinaleiras da movimentada capital venezuelana. É que Dayana cansou. Ela, seu pai e toda sua família já foram assaltados. Do pai levaram uma caminhonete. O irmão mais velho teve sorte pior ainda, foi sequestrado. Tiveram de se reunir para pagar um resgate por ele, que ela não revela quanto.

– A Venezuela necessita de futuro, e com Chávez não temos isso. Ele obriga funcionários públicos a vestirem vermelho. Esse é um Estado opressor, mas domingo daremos nosso recado – avisa.

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