A maratona para aprovar a MP dos Portos, que durou quase 50 horas, evidencia um Congresso conflagrado, queixoso com a falta de diálogo e de contrapartidas do governo federal. Esse desgaste, segundo parlamentares e auxiliares do Planalto, está centrado no perfil durão da presidente Dilma Rousseff – para o bem e para o mal.

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Se o Senado salvou o governo do vexame, menos de cinco horas antes de que a medida provisória perdesse a validade, duas das sessões mais longas da Câmara expuseram a fragilidade da base na Casa e as demandas não atendidas pela presidente.

Apontada como ápice da tensão, a votação desta semana é apenas mais uma das rusgas entre os dois poderes. As derrotas no Código Florestal e na divisão dos royalties já haviam exposto o descontentamento com o estilo de Dilma, que domina 80% das 513 cadeiras da Câmara, mas não transforma a supremacia em votos.

– Esse governo não gosta do diálogo, vive de empurrar medidas provisórias goela abaixo – critica o deputado Beto Albuquerque, líder da bancada do PSB.

Diante de um Congresso acostumado a engavetar projetos de lei, a estratégia de governar com MPs não é novidade – o regimento obriga a votação desses textos. A manobra era usada por Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A diferença é que eles cediam às pressões dos parlamentares. Procuravam não vetar mudanças feitas pelo Congresso, ao contrário de Dilma, que novamente deve usar seu poder para barrar pontos com os quais não concorda.

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– A presidente é intransigente, e o ambiente está contaminado – diz um articulador do Palácio do Planalto.

De fato, negociar com a petista é ouvir uma saraivada de nãos, o que dificulta o trabalho de articulação das ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil) – consideradas “inexperientes” por raposas do Congresso. Sem autonomia, as duas são descritas como “garotas de recados” de Dilma.

– É ilusão achar que vai sentar com a Gleisi e definir algo – admite um deputado petista.

O peso das emendas

Na madrugada de quinta-feira, durante a exaustiva votação na Câmara, deputados aliados ao governo expressavam o descontentamento sem rodeios:

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– Chamem o Lula, o Zé Dirceu e o Antônio Palocci. Chamem o time A, que sabe negociar.

Protagonista da rebelião da base aliada e responsável por um dos maiores sustos recentes do governo, o líder da bancada do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), avalia que, depois dessa experiência, o governo deverá ser mais atencioso com a sua base.

Elástica e pouco comprometida, a coalizão se considera excluída e reclama de não ser recebida por ministros. Em votações passadas, o Planalto havia se comprometido em liberar o empenho de emendas dos parlamentares, o que não ocorreu, como recorda Paulo Pimenta (PT), ex-presidente da Comissão de Orçamento.

A situação provocou uma das imagens mais inusitadas do episódio, quando o deputado Toninho Pinheiro (PP-MG) invadiu a área reservada à mesa da Câmara com uma faixa para protestar contra a dificuldade na liberação de emendas para a saúde.

O que o governo obteve

Mão de obra: uma emenda exigia que os terminais privados contratassem mão de obra avulsa, mas o governo garantiu que não fosse aprovada.

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Renovação de contratos assinados após 1993: depende da União. Será possível renovar antecipadamente os contratos, por igual prazo do contrato original, desde que haja investimentos.

Portos privados: os terminais privados poderão movimentar cargas próprias e de terceiros. No entanto, os concessionários de portos públicos alegam que têm custos maiores com pagamentos de taxas e seriam prejudicados na concorrência com os privados, que não têm essa despesa.

O que o governo pode vetar

Renovação de contratos anteriores a 1993: serão renovados uma vez pelo prazo previsto no contrato de concessão, desde que haja investimentos. O governo, porém, entende que esses contratos estão vencidos e pretende licitá-los novamente.

Contratos novos: as concessões serão feitas por 25 anos e obrigatoriamente renovadas por mais 25.

Terminal indústria: terminais privados em que a empresa movimente exclusivamente carga própria de grãos e combustíveis não precisam passar pelo chamamento público. O governo não concorda com essa exceção.

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Pontos polêmicos

Contratação de capatazia: os concessionários de portos públicos serão obrigados a contratar a capatazia pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). A estimativa é que o custo aumente entre 12% e 20%. Os privados não precisam seguir a norma.

Decisões centralizadas: a medida provisória esvazia o poder de Estados e autarquias na administração dos portos públicos, retirando poder de alguns grupos políticos e concentrando-o em Brasília.

Interesses em jogo

Políticos: historicamente, os portos públicos serviram de moeda política. A entrada de terminais privados retira privilégios e aumenta a competitividade no setor. Grupos políticos perdem força.

Empresários: abre-se um novo mercado, mas especialistas chamam a atenção para a possibilidade de aumento no preço de serviços portuários.

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Trabalhadores: como a medida provisória desobriga os terminais privados de contratar funcionários por meio do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), como ocorre nos portos públicos, sindicatos alegam que a mudança implicará a redução dos postos de trabalho e dos salários dos portuários.