Se as paredes das antigas igrejas de Jaraguá do Sul pudessem falar, elas nos revelariam muito mais histórias do que as que constam nos registros oficiais. Contariam sobre o voluntário que tem dedicado a maior parte da vida à igreja, conhecendo o espaço como a própria casa; do morador que, como poucos, sabe de detalhes centenários da construção onde casou e batizou o filho; e de uma família que, por gerações, faz da história da comunidade a sua própria.

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Em busca dessas histórias, o “AN Jaraguá” deu um mergulho no passado e visitou, durante um sábado, as três igrejas mais antigas de Jaraguá do Sul: a Santo Estevão, na localidade de Garibaldi; a Capela Santíssima Trindade, no bairro Jaraguá 84 – fundadas por imigrantes húngaros -; e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana Apóstolo Pedro, no Centro, construída por colonizadores germânicos (pomeranos e alemães).

Conheça um pouco da história desse patrimônio a partir da visão de pessoas que ajudam a manter viva a memória dos antepassados. Saiba também como as igrejas deram origem a tradições religiosas e culturais que resistem ao tempo.

Ele conhece cada detalhe

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A história de vida do aposentado Adalberto Blank, 64 anos, se confunde com a da Igreja Luterana Apóstolo Pedro, no Centro de Jaraguá do Sul, fundada em 1935. Há 34 anos, Adalberto dedica boa parte do seu tempo como voluntário para garantir que o prédio esteja sempre em ordem para receber os fiéis nos cultos de domingo.

Adalberto não escolhe o serviço: sem cerimônia, esfrega o chão, molha as plantas, decora o altar, bate o sino para anunciar os cultos e até regula o velho relógio da torre, de 1946, que está com o horário sempre afinado.

– O relógio da torre já se tornou uma referência de horário para as pessoas. Uma vez, ele parou de funcionar e muitos nos procuraram preocupados, querendo saber o que tinha acontecido”, relembra. Adalberto também já foi responsável pelas músicas de casamento, que na época eram tocadas em discos e fitas cassetes.

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– Faço o que precisa ser feito. Quando ajudo, sinto uma paz interior muito grande -, comenta ele, que foi batizado e fez a confirmação no local.

Ele também foi testemunha ocular de momentos importantes da comunidade, como as duas reformas realizadas na igreja, nas décadas de 1970 e 1980.

– Trabalhei na secretaria entre 1982 e 1987 e, durante a reforma, eu ajudava trazendo as ferramentas que o pessoal que fazia a reforma precisava -, relembra.

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Adalberto sabe de cor todos os detalhes da igreja, dos anos que os objetos chegaram, a história da construção e da abertura de outras comunidades. A igreja também possui um lindo órgão, que é utilizado em cultos especiais.

Sob as bênçãos do padroeiro

A Igreja Santo Estevão representa uma nova fase da vida para o analista de encaixe Gilberto Jarbas Prawucki, 38 anos. Há 14 anos, Gilberto conheceu a mulher, Marilene Murara Prawucki, 37, quando mudou-se para a localidade de Garibaldi para jogar no time local. O cenário do casamento, ocorrido há 12 anos, foi o altar da igreja, que Marilene costumava frequentar com a família. O filho Bruno, de 11 anos, foi batizado no mesmo local.

Vice-presidente da igreja, Gilberto orgulha-se por saber detalhes do lugar que muitas pessoas sequer imaginam. Como, por exemplo, que o forro é feito em estuque – madeira e cipó trançados e cobertos com barro por cima e por baixo. E que o santuário com a imagem do padroeiro chegou à igreja em 1937, informação que Gilberto descobriu ao encontrar uma inscrição quase apagada atrás da estrutura, quando fazia uma limpeza geral.

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Ele também sabe onde fica a pedra fundamental, que guarda um documento histórico com o nome dos fundadores.

– Tem pessoas de outros lugares que vieram conhecer a igreja e gostaram tanto que decidiram casar aqui -, comenta.

Segundo o setor de patrimônio histórico e cultural de Jaraguá, a arquitetura da Santo Estevão abriga detalhes que a caracterizam como uma das três únicas igrejas com arquitetura húngara no Brasil.

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Três gerações dedicadas à fé

Na família do encanador Sebastião Scheuer, 52 anos, há três gerações ligadas diretamente à Capela Santíssima Trindade, no bairro Jaraguá 84. O avô, Mathias Scheurer, imigrante húngaro, doou o terreno e foi um dos que ajudaram a construir a igreja, fundada em 1928. O pai, Gabriel Scheuer, foi capelão no local por cerca de 35 anos, conduzindo as orações do terço e cultos.

– Meu pai participou da Segunda Guerra Mundial e fez uma promessa: que se sobrevivesse ao conflito, iria se dedicar muito à igreja. E foi o que ele fez -, lembra.

A ligação de Sebastião com a Santíssima Trindade é tão forte que ele e a mulher, Edite Scheuer, são os “guardiões” da chave do local. É que, com o passar do tempo, a igrejinha construída pelos húngaros ficou pequena para tantos fiéis e as missas de domingo foram transferidas para o salão de festas. Com isso, a igreja, agora fechada durante a semana, só é aberta para casamentos – quando Edite costuma fazer uma limpeza geral no espaço.

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Sebastião guarda com carinho na memória as lembranças das missas de domingo, frequentadas por ele e os outros 13 irmãos quando era mais novo.

– Tenho esse costume até hoje. Se não vou na missa uma semana, parece que falta alguma coisa.

A capela, que foi reformada em 2008 pela iniciativa privada, é uma das três igrejas com arquitetura húngara existente no Brasil. De acordo com o historiador Ademir Pfiffer, a localidade de Garibaldi é considerada o berço da imigração húngara em Jaraguá.

Igreja mais antiga espera pelo tombamento

Apesar da importância histórica e cultural das três igrejas não só para Jaraguá do Sul, mas para a região do Vale do Itapocu, nem todas estão tombadas. Até agora, duas receberam o título de patrimônio histórico: a Capela Santíssima Trindade, de 1928, e a Igreja Apóstolo Pedro, de 1935. Curiosamente, o reconhecimento ainda não chegou para a que é considerada a mais antiga da cidade, a Santo Estevão, cadastrada para tombamento desde 2010. A pedra fundamental da igreja foi lançada em 1922, mas não há registro da data de inauguração.

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O chefe do setor de patrimônio histórico e cultural de Jaraguá, Egon Jagnow, afirma que o tombamento de uma edificação prioriza dois fatores: a possível ameaça à integridade da igreja, como uma demolição, e o pedido voluntário da comunidade. No caso da Santíssima Trindade, que tinha problemas estruturais, o primeiro fator foi decisivo para o tombamento, em 2010. Jagnow afirma que a igreja foi reformada dois anos antes de receber o reconhecimento histórico e, com isso, algumas características originais não foram preservadas.

Os imóveis tombados costumam receber mais facilmente recursos do poder público para a restauração. O tombamento é feito a partir de um estudo aprofundado sobre a construção por uma equipe especializada.

– É realizado um levantamento no local sobre as características da edificação, a identificação dos materiais utilizados na fundação e da técnica empregada na construção. É um estudo que leva tempo -, comenta Jagnow.

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A lei municipal do tombamento é de 1994. Hoje, apenas três igrejas da cidade são tombadas. Além da Santíssima Trindade e da Apóstolo Pedro, o reconhecimento também foi concedido à Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Santa Luzia, de 1943.

Os estilos arquitetônicos trazidos pelos imigrantes sofreram influência da cultura de cada estrangeiro e do regionalismo.

– Na cidade são mais de 20 igrejas as que têm características que merecem o reconhecimento de patrimônio cultural -, acrescenta.

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Prefeitura quer investir no turismo

A Prefeitura de Jaraguá do Sul pretende ampliar os atrativos nas quatro rotas turísticas que compreendem os prédios históricos da cidade, incluindo as igrejas. O diretor de turismo da Fundação Municipal de Esportes (FME), Fenísio Pires Júnior, comenta que a administração municipal está em busca de parceria com a iniciativa privada para estruturar melhor os roteiros de visitação, com a implantação de restaurantes, cafés coloniais, centros de compras e o incremento de eventos culturais, como as festas de rei e rainha nas sociedades de tiro.

Hoje, os roteiros turísticos de Jaraguá se dividem em rota alemã (região do Rio da Luz e Rio Cerro), húngara (Garibaldi e Jaraguá 84), italiana (Nereu Ramos e Santa Luzia) e dos museus (região central), considerando a imigração ocorrida em cada região. Como parte dos prédios históricos permanecem fechados durante a semana, outro objetivo da FME é estabelecer horários de visitação e contratar guias para acompanhar os turistas.

O roteiro inclui mais de 20 pontos de visitação e concentra 21 igrejas de interesse turístico, além de sociedades de tiros, escolas e casas históricas. Este ano, a Prefeitura promete investir cerca de R$ 340 mil, vindos de emenda parlamentar, para melhorar sinalização por todo o município. Num segundo momento, a intenção é que as edificações turísticas ganhem placas com o histórico de cada uma.

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Igrejas mais antigas

Nome: Igreja de Santo Estevão.

Endereço: Rodovia Municipal JGS 466, s/n – localidade de Garibaldi.

Fundação: não existe registro da data de inauguração. O setor de patrimônio histórico considera a Santo Estevão a igreja mais antiga de Jaraguá com base na data do lançamento da pedra fundamental, em 1922.

Estilo arquitetônico: neogótico, caracterizado pelas abóbadas do altar, que permite um pé direito cada vez mais elevado. A verticalização dos elementos construtivos (janelas e portas da nave, simbolizando as mãos juntas elevadas em oração a Deus ou ainda indicando o céu) também é característica da arquitetura neogótica.

Curiosidade: O padroeiro era o conhecido Rei Estevão – primeiro rei da Hungria, que converteu o país ao cristianismo. A imagem do santo que está na igreja foi trazida da Hungria por Georg Wolf.

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Nome: Igreja Luterana Apóstolo Pedro.

Endereço: rua Esthéria Lenzi Friedrich, 62, Centro.

Fundação: maio de 1935.

Estilo arquitetônico: romântico, caracterizado pelos arcos de volta perfeita nas aberturas e se repetem como elemento decorativo de janelas, portais, volutas e tímpanos. A igreja segue os padrões de edificação da baixa Saxônia (Alemanha).

Curiosidade: ao lado da igreja, há outro prédio de interesse histórico: a antiga “Escola Jaraguá”, que existe como instituição desde 1907 e teve o edifício foi construído em 1920.

Nome: Capela Santíssima Trindade.

Endereço: rua Bertha Weege, s/n, bairro Jaraguá 84.

Fundação: julho de 1928.

Estilo arquitetônico: neogótico.

Curiosidade: segundo os registros do setor de patrimônio histórico de Jaraguá, um fato curioso aconteceu em 1929: naquele ano, um raio bateu na torre da igreja e o impacto foi tão forte que a estrutura precisou ser reconstruída.

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