Dia 24 de dezembro, 8h. Muita gente pode nem ter acordado ainda, afinal, é tempo de férias e de descanso. Mas Olívia Marchi tem compromisso marcado. Há seis anos nesta data ela acorda cedo, coloca seus mais lindos utensílios domésticos no carro e parte rumo à Associação Blumenauense de Amparo aos Menores (Abam). Enquanto a maioria dos funcionários encerra o expediente e vai ficar com os filhos, pais, netos, Olívia chega para preparar uma verdadeira ceia de Natal às crianças que aguardam para retornar às suas famílias biológicas ou encontrar um novo lar.
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A Mamãe Noel começou o trabalho movida por uma história que ouviu do filho, Silvano Marchi, adotado por ela aos 12 anos. Em uma visita casual a um abrigo de Biguaçu, na Grande Florianópolis, ela conheceu o menino e se encantou. Ela já tinha filhos, mas conta que a ligação entre os dois foi imediata. Em menos de um ano conseguiu a guarda definitiva e realizou o sonho ter uma família grande, como a da mãe, que teve sete crianças. O processo foi rápido, sobretudo por se tratar do que as autoridades chamam de adoção tardia, aquelas de crianças com idade mais avançada. Quando o menino chegou, contou como era a vida dentro do abrigo. Ele disse que não era ruim, mas sentia falta de pertencer a uma família.
Com a voz embargada pelas recordações, Silvano, hoje com 18 anos, relembra o primeiro Natal como um Marchi. Do brilho nos olhos dos pais e dos novos irmãos, do afeto em cada abraço, no carinho entre eles ao se ajudarem e de finalmente se sentir integrante de grupo. Todo o sentimento de felicidade de começar uma nova história fez brotar a semente de tornar o dia 25 de dezembro de quem ainda está em abrigos um pouco mais acolhedor, como era quando ele estava para adoção.
– Quando chegava o Natal era a melhor época, porque eu não tinha família e aí os voluntários iam lá (no abrigo) e faziam meio que o papel de pai e de mãe. Uma coisa que eu nunca tinha – recorda.
A partir do dia em que ouviu a história de Silvano, Olívia resolveu mudar a data da ceia com a família. Passou da noite do dia 24 para o dia 20. A data que antecede a festa que celebra o nascimento de Jesus ficou reservada desde então a manter viva nas crianças a fé de que o mundo pode, com a ajuda de todos, ser um lugar bom e cheio de perspectivas positivas. O filho, que até pouco tempo estava no abrigo, também embarcou no projeto. Em algumas vezes se vestiu de Papai Noel e foi entregar os presentes aos pequenos. É que nesse simples gesto o jovem quer deixar uma mensagem, ainda que subliminar, às crianças:
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– Tem que ter esperança. A vida é difícil, tudo mundo tem que passar por perrengue, mas uma hora ela recompensa a gente de uma forma ou outra.
Lembrança para o resto da vida
Olívia também se emociona ao contar como tudo começou. Recorda que antes os pequenos recebiam, sim, uma ceia. Mas ela era sem decoração, sem músicas, sem mensagem espiritual, sem o real sentido de Natal, de celebrar a vida, agradecer pelo que se tem e, sempre que possível, de estender a mão ao próximo.
Agora, as crianças também acordam cedo, ajudam a deixar o espaço com a cara que o jantar tem na casa dela. Tudo feito com amor. Bernardo* (nome fictício utilizado para preservar a identidade da criança, conforme orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente), que há seis anos vive na Abam, se diz feliz com a atenção que recebe. Embora tímido e de poucas palavras, admite o quão mágica é essa época do ano em que vê a si próprio e seus amigos recebendo atenção especial.
Todo esse carinho e dedicação que Olívia tem com as crianças não é só no Natal. Ela já se tornou uma espécie de “mãezona” deles. Está sempre presente, ajuda no que consegue.
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– O espírito do Natal é você tentar diminuir a falta da família e dos amigos que ficaram para trás de qualquer maneira. Eu procuro tentar fazer eles se sentirem especiais. Tento fazer o clima. Para mim é o maior presente, me sinto feliz estar aqui com eles – afirma.
A mesma atenção vem da equipe que trabalha no abrigo. Olhar os cadernos, cobrar as tarefas, compartilhar momentos de lazer, levar ao médico, mas eles mesmos sabem que por mais que se esforcem, ali não é um lar. Enquanto o desfecho da história pessoal de cada um não chega, trabalhos de voluntários fazem toda a diferença.
– Durante todo o ano nós recebemos doações, mas no Natal chega muita coisa mesmo. É bem especial – afirma Edineia Alessandra Marchetti, coordenadora da Abam, onde atualmente cinco crianças com mais de 10 anos vivem.
A primeira celebração em uma nova família
Enquanto nos abrigos voluntários como Olívia se esforçam para levar o espírito natalino para o ambiente em que os pequenos vivem, para algumas crianças o Natal deste ano vai ser diferente justamente por ser o primeiro vivenciado fora dali, no aconchego de uma família.
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A médico-veterinária Rosana Simon Halasz, 51 anos, começou a fazer uma dessas histórias virarem realidade na semana passada. Ela e o marido Maurino não tinham filhos e há anos alimentavam o desejo de adoção. Conheceram um abrigo na cidade em que moram, Itatiba (SP), foram ao fórum, participaram de um grupo de apoio, de atendimentos com uma psicóloga. Ao final de três anos, conseguiram entrar no cadastro nacional de adoção.
Como o perfil do casal era para adoção com idade entre 5 e 15 anos, o processo depois disso foi rápido. Há cinco meses, Rosana e Maurino souberam de dois irmãos de Blumenau que esperavam por adoção. Tudo o que sabiam era que tinham 13 e 10 anos e eram muito unidos.
O casal conversou com os meninos por e-mail, Whatsapp e Skype, em função da distância, já que as cidades ficam a 12 horas de distância de carro.
– Quando fizemos a primeira videoconferência e um deles abriu um sorriso, eu falei: são eles – conta Rosana.
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A partir daí eles já começaram a desenvolver conversas como pais e filhos. Rosana e Maurino viajaram três vezes a Blumenau. Conheceram de perto os dois irmãos, participaram de atividades como um torneio de jiu-jitsu dos garotos. Na última visita, na semana passada, conseguiram levar os dois irmãos já com guarda provisória – que deve se tornar definitiva depois de um período de três meses em que a família passa por acompanhamento da assistência social.
Festa com direito a árvore e chocolates
O casal e os novos filhos vão passar a noite de Natal no sítio em que moram, em Itatiba, ao lado de outros familiares – muitos deles vão conhecer os meninos nesta noite. No domingo, Rosana e os garotos montaram a árvore de Natal, decorada com chocolates. Tudo aumentava a alegria e empolgação dos irmãos para a festa de logo mais – a primeira no afeto da nova família.
– O Natal será especial, como imagino que serão todos daqui por diante. Eles dizem que tudo o que querem é uma família, e família significa união. Essa é a expectativa deles, que tudo isso seja para sempre – conta a mãe. (Colaborou Jean Laurindo)