Quatro vezes campeão brasileiro, o vôlei gaúcho padece ante à falta de investimentos, que, se não apaga a história, mancha a tradição. Além dos quatro títulos nacionais – com a Ginástica, de Novo Hamburgo, em 1994/1995, e com a Ulbra, de Canoas, em 1997/1998, 1998/1999 e 2002/2003 -, o Rio Grande do Sul é um reconhecido centro de revelação e formação de talentos. Para se ter uma ideia, dos 16 convocados para a seleção brasileira para jogadores nascidos em 1995, oito nasceram no Estado. Se mesmo com todo esse potencial não há times de ponta, o que acontece com o esporte desde a segunda metade dos anos 2000?

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Para o técnico mais vezes campeão pelo Rio Grande do Sul, Jorginho Schmidt, a resposta é “marasmo”.

– O vôlei parece que não convence o empresariado como produto justamente quando qualquer coisa que se investe, no vôlei, dá retorno. Pode ser banco, pneu, transporte, qualquer coisa. O Banco do Brasil não deve ter mais gente depositando por causa do vôlei, mas se tornou uma marca ainda mais confiável – exemplifica Jorginho, tricampeão da Superliga (uma pela Ginástica, duas pela Ulbra), referindo-se aos títulos das seleções brasileiras masculina e feminina.

Schmidt comandou a Sogipa na última Superliga, estuda a renovação de contrato, e diz que há a possibilidade de criação de pelo menos um time em cidades como Novo Hamburgo, Campo Bom, Gramado ou Canoas. A volta por cima pode estar a caminho: pelo menos duas equipes podem ser formadas para a próxima Superliga Masculina. Uma vaga é da UCS. O outro time, caso seja criado, terá de jogar uma eliminatória para entrar na competição. Esta eliminatória começa no início do segundo semestre, enquanto que a Superliga inicia entre o final de outubro e o início de novembro. Para isso, é preciso o fator básico para que qualquer time, de qualquer modalidade, vingue no esporte: investimento. Para Jorginho, uma vez que a situação econômica parece ter melhorado, não há justificativa para que o investidor seja tão acanhado no Rio Grande do Sul.

– E não fico apenas no vôlei. Temos outros exemplos como o basquete de Santa Cruz, o tênis e o handebol de Novo Hamburgo, o atletismo da Sogipa. O vôlei se tornou um produto confiável. Saquarema (onde o Brasil tem um centro de treinamento que é referência) é exemplo para o mundo. Por isso, o Brasil ganha. Porque houve e há investimento. Até a Olimpíada de 2020, o Brasil será pódio na quadra e na praia tanto no masculino quanto no feminino. Se errar, erro por pouco esta previsão – opina o treinador.

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O presidente da Federação Gaúcha de Voleibol, Cláudio Coelho Braga, pensa que o Rio Grande do Sul é um dos piores estados em termos de patrocínio quando o assunto é voleibol:

– Os clubes lutam muito para conseguir apoio, só que é necessário patrocinadores fortes. Não adianta nada um clube ter 10 ou 12 empresas em volta. É preciso ter um patrocinador forte e outros menores que ajudem. Tudo é questão de verba, dinheiro. Para a Superliga, é preciso ser profissional. As categorias de base só recebem ajuda de custo, tal qual no futebol, em que 95% ganham pouco. Ganha, mesmo, quem está na Série A, talvez na B, mas são poucos os destaques da base que realmente ganham algo concreto – diz Braga.

Campeão olímpico pela seleção nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, o ex-meio de rede Paulo André Jukoski da Silva, o Paulão, natural de Porto Alegre, revela que tem um projeto pronto para a criação de um time de vôlei masculino para atuar na próxima Superliga. Mas queixa-se do tímido apoio de possíveis investidores:

– A obrigação do governo é fomentar, mas não temos lei de incentivo e toda vez que vamos tentar um investimento é uma ‘gritaria’. Isso para investimentos relativamente pequenos. Não acredito que seja má vontade, mas sim desconhecimento tanto dos potenciais investidores quanto dos órgãos governamentais para que tenhamos uma política pública direcionada ao esporte aqui no Estado. Infelizmente, nem o governo, nem os empresários veem o esporte como uma ferramenta de negócio. Fico chateado e triste por ter que ‘passar o chapéu’ – lamenta Paulão, que tem preferência por Porto Alegre caso consiga criar uma equipe adulta profissional. Ele disse que está apto e quer ser técnico de voleibol desta mesma equipe.

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Investir para ganhar

Com a volta dos atletas renomados da Europa para o Brasil, a Superliga “inflacionou”. Se no último título brasileiro conquistado pelo Rio Grande do Sul, com a Ulbra, em 2003, o investimento era levemente superior a R$ 2 milhões, hoje uma equipe média não sai por menos de R$ 3 milhões. Com R$ 1 milhão até é possível criar um time, mas é praticamente certo que ele não chegará aos play-offs. Uma equipe de ponta não sai por menos de R$ 5 milhões – valor que pode chegar a até R$ 10 milhões.

O milionário carioca Eike Batista, por exemplo, investiu R$ 13 milhões no RJX, que já contratou o ponta Dante, campeão olímpico pelo Brasil em Atenas em 2004. A equipe mandará seus jogos no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro.

Na opinião do presidente da Federação Gaúcha, a volta dos jogadores renomados valorizou a Superliga. E os jogadores, para ele, merecem ganhar bons salários.

– Muitos empresários não têm noção de vôlei. Acham que terão retorno imediato. O retorno existe e é bom, mas nem sempre é imediato. Temos o exemplo do Sesi, que teve o maior investimento, foi campeão e, assim, teve retorno quase como obrigação – opina Cláudio Braga. Jorginho reitera o valor idêntico da dita “equipe média” da atualidade em relação ao que foi investido na Ulbra campeã da temporada 2002/2003.

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– Não podemos encarar isso como uma inflação, mas sim como uma valorização do esporte. Para Paulão, patrocínio é coisa do passado. Hoje, o esporte é negócio, e o negócio é feito por meio de empresas, além da educação.

– O esporte é a melhor ferramenta para educar crianças. Ele gera perspectiva, respeito pelo companheiro, aprende-se a ganhar e a perder. São valores do trabalho em equipe – diz Paulão, que é uma das atrações do projeto Embaixadores do Esporte, patrocinado pelo Banco do Brasil. Em empresas, escolas, universidades e clínicas de esporte, o gaúcho campeão olímpico palestra e mostra sua vitoriosa carreira.

– Levo inclusive minha medalha de ouro. Há pessoas que ficam surpresas e me perguntam se não tenho medo que me roubem a medalha. Mas, não. O que eu estou tentando mostrar é que é preciso avaliar as regiões que têm os piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e criar alternativas para as crianças desses locais. Trabalho o esporte como motivação – ressalta.

Paulão (centro) comemora medalha olímpica de 1992

BD, ZH

Talentos para vencer

Na década de 1980, a geração de prata tinha os gaúchos Renan e Marcus Vinicius. Na de 1990, a geração de ouro contava com Jorge Edson, Janelson e Paulão. E em 2004, na medalha dourada de Atenas, André Heller e Gustavo Endres. Murilo Endres, irmão de Gustavo, foi eleito o melhor jogador do mundo em 2010. Mesmo assim, atualmente, o Estado tem apenas um time na Superliga, a Sogipa, que finalizou a temporada 2010/2011 na 10ª colocação. Apesar do esforço, o investimento modesto resultou em uma posição igualmente modesta.

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O Rio Grande do Sul é um celeiro de ases que dorme em berço esplêndido, mas não recebe investimentos para manter jogadores que saem da base com potencial para se tornar profissionais. O assistente técnico do Vôlei Futuro, de Araçatuba, José Paulo Peron, veio para o Rio Grande do Sul em 2004 justamente porque o Estado costumava investir no voleibol de base e também no profissional. Ele trabalhou na UCS até 2007, quando traçou outros rumos devido à falta de investimento, e enxerga com decepção e tristeza a atual situação do vôlei no Estado.

É decepcionante e triste ver que o Rio Grande do Sul não tem nenhuma equipe de ponta. Não deveria ficar de fora. Sou do interior de São Paulo e atesto o potencial que o Estado tem. O biotipo do gaúcho tem tudo a ver com voleibol. É propício. A altura dos descendentes de alemães e italianos aponta para isso. Além disso, o Estado tem público para o vôlei. Lembro dos ginásios sempre lotados. As equipes de fora sempre sabiam das dificuldades que encontrariam no Sul. Atualmente, muito infelizmente falando, o Rio Grande do Sul é um celeiro que não dá seguimento para o profissionalismo – diz Peron, apontando para o fato de que o Rio Grande do Sul continua revelando muitos atletas, mas não oportuniza que eles joguem profissionalmente no Estado.

Para se ter uma ideia, pelo menos 140 crianças e jovens fazem parte das categorias de base apenas da UCS, de Caxias. Devido a isso, Peron lembra da facilidade que teve para compor times com jogadores formados apenas dentro da universidade.

– Quando cheguei, 15 jogadores eram de fora e apenas um revelado na base. Em três temporadas, invertemos esses números para nove jogadores formados na base e somente sete de fora. Talento não falta. Isso vincula a equipe à cidade, o que cativa mais ainda o público para prestigiar o voleibol – afirma.

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Gustavo e Murilo Endres, Thiago Alves, Éder e Lucão são exemplos de jogadores gaúchos na atual seleção brasileira, multicampeã sob comando de Bernardinho. Talento, realmente, não falta.