O curioso não é localizar no noticiário o registro de mais uma obra de arte vendida a cifras de roubar o fôlego – Estrela Azul, do catalão Joan Miró, foi arrematada por R$ 76 milhões em junho, em Londres -, mas perceber que um trabalho original do artista surrealista possa ser adquirido em Porto Alegre, por um valor que, se não é uma pechincha, está incrivelmente mais acessível.
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Duas gravuras de Miró autênticas, compradas a R$ 3 mil cada, em duas parcelas, decoram o apartamento da publicitária Débora Tessler na Capital. Ela faz parte do que galeristas já conseguem vislumbrar como o surgimento de um novo público consumidor de pinturas, desenhos, esculturas, fotografias e criações mais conceituais da arte contemporânea. Ainda que grande parte dos potenciais compradores de originais continue vendo museus e galerias como redutos de preços proibitivos, empresários do ramo percebem que o aumento do poder aquisitivo e do interesse por viagens ao Exterior e passeios culturais contribui para despertar o gosto por arte.
– A pessoa tem que comprar aquilo que a comove, que a emociona, que a instiga. Pode começar com pouco dinheiro, de forma modesta. Muitas vezes, compra-se um pôster que é mais caro do que uma gravura de um artista, e se faz isso por desconhecimento – comenta a crítica de arte Paula Ramos, professora e pesquisadora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No caso de Débora, o primeiro flerte mais ambicioso foi com uma gravura de Salvador Dalí, em um leilão em Gramado. Recuou, acreditando não ser o momento. Em outra oportunidade, na Europa, direcionou seu desejo para outro Dalí, mas só foi efetuar a primeira compra expressiva com Miró Escultor – Japan e Miró Escultor – Italy, duas litografias certificadas, ambas de 1974, parte de uma série de 1,5 mil exemplares. Débora já morou em Barcelona, terra natal do artista, mas consolidou o negócio em Porto Alegre, por intermédio de Ricardo Zielinsky, galerista residente na Espanha que intercambia obras entre os dois países.
– Achei que fosse muito mais caro. Parecia algo totalmente inacessível. Ninguém espera que uma pessoa tão jovem tenha uma obra de um artista tão representativo – comenta a publicitária de 30 anos, que tem uma parede de casa pintada, sob encomenda, pelo ilustrador gaúcho Pirecco, que trabalhou por 15 dias.
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Se o desejo é dar início a uma coleção ou apenas complementar a decoração de um ambiente da casa, um caminho são as feiras que mesclam trabalhos de artistas iniciantes e de renome, além de oferecer parcelamentos em cheque e cartão de crédito. Leilões de antiguidades geralmente ofertam obras de arte a preços acessíveis, exigindo apenas que o comprador tenha paciência para acompanhar os lances. Há até consórcios, nos quais o cliente pode adquirir trabalhos com pagamentos mensais.
– Se quiser pagar em 10 vezes de R$ 500, tranquilo – garante Carlos Gallo, dono da Galeria Gestual, em Porto Alegre, endereço especializado em arte contemporânea que dispõe obras de R$ 5 mil a R$ 30 mil em seu catálogo.
Cuidados na hora da compra
Mas, como em qualquer investimento, é fundamental se informar e buscar referências antes de concluir a transação.
– O consumidor deve ir a campo, visitar exposições, ver com o que mais se identifica, tentar entender o discurso do artista. E aí, sim, começar a comprar – aconselha a galerista Eliana Finkelstein, presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact).
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:: Investimento em obras de arte requer orientação
Uma paixão que aumenta e se valoriza
Começou como um caso de amor. Com o tempo, também evoluiu para uma forma de investimento. Quando comprou sua primeira obra de arte, o acrílico sobre tela A Sala, de Paula Mastroberti, a representante comercial Claudia Moser, 47 anos, teve de fazer uma intervenção no hall do apartamento para acomodar o quadro de 1m50cm por 2m20cm.
– Me apaixonei. E tive que construir uma parede para colocá-lo – conta Claudia, que cataloga informações sobre todas as suas aquisições em uma pasta.
A coleção foi sendo incrementada com telas de Maria Tomaselli, Maria Lucia Cattani, Nick Rands, Carlos Pasquetti e Marcia Tiburi, uma litografia de Adelheid Tomaselli, gravuras de Marcelo Grassmann e Hans Grudzinski, um relevo em madeira de Heloisa Crocco e um relevo em bronze de Gustavo Nakle. Hoje, dona de uma coleção, Claudia tem como uma de suas obras preferidas Zero Dollar, do carioca Cildo Meireles.
– Me dá prazer e alegria tê-las. Acho um bom investimento. Conforme fui comprando, também fui vendo como investimento. O que tenho já valorizou – explica Claudia. – Se acho que não posso gastar, o fato de pensar em um investimento me ajuda a abrir o bolso – acrescenta.
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Sócio da Bolsa de Arte de Porto Alegre, galeria especializada em arte contemporânea, Egon Kroeff percebe, em feiras internacionais, o crescente interesse pela produção brasileira.
– Arte, no Brasil, é algo muito sério. O consumidor está vendo que é um bom investimento. Fora do país, há cada vez mais leilões com arte brasileira, além de galerias e museus expondo obras de artistas daqui – conta Kroeff.
Para quem pretende, além de contemplar suas preferências pessoais, apostar em algo que possa se tornar um potencial negócio mais lucrativo no futuro, a crítica de arte Paula Ramos recomenda observar quem está sendo valorizado em exposições coletivas importantes e bienais nacionais e internacionais. A também crítica de arte Maria Amelia Bulhões completa que, antes da aquisição, é preciso procurar mais conhecimento:
– As pessoas que fazem boas compras são aquelas que se interessam.