A abordagem de pedir gentilmente não tinha funcionado. Lewis Smithingham, executivo de publicidade em Nova York, estava tentando conseguir uma reunião virtual com um analista de uma empresa de gestão de investimentos, que ele esperava ser uma fonte de potenciais clientes e informações. As datas foram acertadas e depois adiadas, remarcadas e remarcadas novamente. Então Smithingham teve uma ideia. Ele acabaria com isso enviando um convite atrevido:
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“Vamos roubar um banco em ‘Grand Theft Auto’?”
Logo, Smithingham e o analista se viram em uma versão fictícia de Los Angeles, submetralhadoras na mão, em um dos jogos multiplayer mais populares do mundo. O analista não tinha as habilidades para um assalto a banco, mas os dois roubaram um carro, atropelaram alguns pedestres azarados, iludiram policiais, caíram de um penhasco e morreram algumas vezes.
“Ele não é um grande jogador, por isso fui a pessoa encarregada dos tiroteios. Mas agora trocamos mensagens regularmente, e, quando converso com ele por telefone, digo: ‘Você se lembra daquela vez que fugimos da polícia e batemos na mureta da estrada?'”, contou Smithingham, diretor da MediaMonks, que tem sede na Holanda.
Com a fadiga das chamadas pelo Zoom e com almoços fora de questão durante a pandemia do coronavírus, os executivos elaboram novas maneiras de se encontrar e se relacionar por meio de videogames. O objetivo é acabar com um dia repleto de reuniões que geralmente parecem idênticas umas às outras. E, para pessoas como Smithingham, um passeio no espaço virtual é uma chance de forjar memórias com pessoas que ele nunca viu, o que é uma parte crucial do desenvolvimento de relacionamentos e negócios.
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“É meu golfe”, disse ele. Ao contrário do golfe, os videogames vêm com o distanciamento social embutido. É o tapinha nas costas sem o tapinha nem as costas, ideal durante uma pandemia.
A ideia de realizar reuniões de negócios em um mundo virtual foi meio que uma moda há cerca de dez anos. Mais de 1.400 organizações estavam no Second Life, um reino on-line com tudo de que um avatar precisaria, incluindo auditórios e cerveja. Ainda há muitas empresas, organizações sem fins lucrativos e universidades operando no Second Life, afirma Ebbe Altberg, o executivo-chefe do Linden Lab, criador desse mundo com sede em San Francisco. Mas centenas de empresas o abandonaram, incluindo a IBM, a Coca-Cola e a Reuters.
Os atuais pioneiros dos jogos têm ambições de voltar a essa época. Erik Heisholt, fundador da Heisholt Inc., uma empresa de marketing em Oslo, estava basicamente procurando um novo cenário quando, em 2016, montou um escritório no “Minecraft”.
Esse escritório foi excluído no ano passado, por causa da inatividade, mas, quando a pandemia começou, ele construiu um novo. Em meados de julho, ofereceu um tour pelas instalações a este repórter, que nunca havia colocado o pé virtual no “Minecraft”, um jogo com mais de 125 milhões de usuários mensais. Foi uma maneira memoravelmente estranha de passar 90 minutos.
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“Olá e bem-vindo ao escritório”, disse Heisholt. Na verdade, era o avatar on-line de seu guru tecnológico, Martin Bruras, e Heisholt não estava nem falando. A comunicação no “Minecraft” é estabelecida por meio de texto, o que aumenta a sensação de que a vida aqui se desenrola a uma velocidade mais baixa, pelo menos para um neófito tentando descobrir tarefas simples, como a maneira de passar por uma porta. Quando Heisholt “falou”, foi via Bruras, que estava essencialmente reproduzindo um ditado.
O primeiro escritório da Heisholt Inc. em “Minecraft” foi construído há quatro anos, logo depois que a empresa concebeu o primeiro show no jogo, para um festival anual de tecnologia na Noruega chamado “The Gathering”. O show foi uma versão virtual e simultânea de uma apresentação ao vivo da dupla eletrônica AlunaGeorge. O movimento dos músicos era reproduzido, o mais próximo possível do real, pelos personagens estilo Lego que povoam o jogo. Cerca de três mil espectadores eram esperados.
“Mais de 100 mil apareceram, e teria sido seis vezes mais se os servidores não tivessem caído. Muitos dos encontros por causa do show e de sua campanha promocional foram promovidos no ‘Minecraft’. Nós nos encontrávamos com os jogadores lá, e eles acabavam colocando cartazes para o show dentro de prédios e casas no jogo”, contou Heisholt em uma entrevista por telefone.

Inspirada nessa experiência, a Heisholt Inc. construiu um escritório em “Minecraft”, que Heisholt descreveu como muito mais chique do que qualquer outro que a empresa pudesse ter no mundo real. Um vídeo mostra o que parece ser um elegante hotel à beira-mar em estilo brutalista, com vários andares e piscinas, juntamente com vacas, ovelhas e um cão da empresa chamado Palecod.
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Os funcionários começaram a fazer reuniões regulares no escritório e depois convidaram clientes para lançamentos de negócios e brainstorming. Foi no jogo que a empresa se reuniu com representantes do World Wildlife Fund para discutir uma campanha para salvar os lobos da Noruega, que um grupo de agricultores queria começar a caçar. A Heisholt Inc. criou um vídeo dentro do “Minecraft” que mostra algumas dúzias de lobos confinados sendo massacrados por um personagem invisível com uma besta.
“Os lobos na Noruega estão listados como criticamente ameaçados”, diz um letreiro no fim. Então o sujeito com a besta abate o último lobo. (A luta dos lobos na Noruega continua.)
À medida que a empresa crescia e trazia clientes maiores, parou de usar o escritório em “Minecraft”, razão pela qual este e Palecod desapareceram. O novo espaço parece a visão de um grande arquiteto para uma sauna enorme. Há um monte de bancos de madeira escura, um monte de tochas na parede e uma arte pixelada de Bruce Lee prestes a socar uma mão gigante. Quando a luz do dia começou a raiar durante o passeio, caminhamos até a varanda do segundo andar e vislumbramos o que parecia ser uma pradaria verdejante com muitos lagos. Um mercador de ouro andava por ali com duas lhamas. As lhamas baliram e olharam para nós.
“Minecraft” é, em parte, um jogo de “sandbox”, o que significa que você pode optar por não fazer nada, a não ser evitar ser morto por um monstro. Antes de visitarmos a sala de conferência principal do escritório, Heisholt ofereceu um almoço.
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“Só vou ter de matar uma galinha, e volto em um segundo”, escreveu ele. A refeição parecia uma carcaça de frango. Então ele respondeu a perguntas sobre como esse escritório tinha vantagens sobre sua versão física em Oslo.
“Ter uma sessão de brainstorm aqui força você a pensar. Pensar diferente. Temos uma mentalidade totalmente diferente aqui. Especialmente se falarmos com jogadores aleatórios. Às vezes, eles lhe dão respostas absurdas que podem levar seu pensamento em direções totalmente inesperadas”, escreveu ele, segurando o que mais tarde me explicou ser um pedaço de carne podre deixado por um monstro.
Quando a turnê acabou, ele saiu para dar uma olhada mais de perto nas lhamas, e uma delas lhe cuspiu na cara. Então a noite começou. Eis que começamos a ouvir zumbidos e grunhidos sinistros, o que nos fez correr em direção à porta do escritório, embora não com a rapidez suficiente. Alguns zumbis nos mataram.
“Você morreu!”, exultou o jogo. Havia uma opção para “renascer” e continuar, mas Heisholt estava atrasado para um ensaio com sua banda no mundo real de Oslo.
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A experiência ressaltou que seria complicado desviar o foco em “Minecraft”. Pode também ser difícil se concentrar no trabalho, pelo menos para quem não tem experiência. Ben Decker, chefe de marketing de serviços de jogos da Microsoft, diz que frequentemente entra com outros funcionários e faz duplas para um jogo chamado Destiny. Cada jogador é um protetor armado da última cidade segura da Terra, o que soa como um trabalho que exigiria total atenção.
“Mas, quando você joga muito um jogo, é como jardinagem. Ele se torna parte de sua rotina, e há certo ritmo nisso”, observou ele.
*Por David Segal
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