O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar sua opinião em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
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O SISMO PARAGUAIO
O impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo – surpreendente, açodado, motivado por interesses políticos bem identificados, mas revestido de legalidade – acendeu um sinal de alerta nas democracias sul-americanas que ainda não desenvolveram mecanismos institucionais suficientemente sólidos para assegurar que a vontade da maioria dos cidadãos prevaleça sobre grupos organizados que buscam o poder.
Não se trata, apenas, da anacrônica disputa ideológica entre esquerda e direita, como sugerem algumas análises simplistas. Trata-se, isto sim, de um complexo debate sobre a estrutura da democracia, que envolve o equilíbrio dos poderes e a criação de instrumentos constitucionais que possibilitem aos cidadãos controlar e até abreviar mandatos quando seus detentores não estiverem correspondendo às expectativas ou os estiverem desonrando.
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O impeachment e o recall (que ainda não existe no Brasil) complementam bem os direitos assegurados pelo voto, mas precisam ser exaustivamente regrados para não deixarem margem a usos inadequados ou interpretações oportunistas.
Independentemente do desempenho do senhor Fernando Lugo no governo de seu país, o inconcebível no episódio paraguaio é a existência de uma legislação tão superficial, que possibilite o afastamento de um presidente eleito democraticamente em menos de 48 horas, sem que ele tivesse sequer a oportunidade de preparar uma defesa consistente. Ainda que tenha sido um julgamento político e que os deputados e senadores tenham exercido o seu papel constitucional, a sumariedade da medida deixou mesmo uma impressão de golpe e uma pauta obrigatória para os integrantes do Mercosul, já que a cláusula democrática do bloco parece ter sido arranhada.
Já apoiamos, aqui, a cautela do governo brasileiro em relação à crise política do país vizinho. O Brasil, por sua liderança no continente, pela parceria em relação à Itaipu e pela presença no Paraguai de um contingente expressivo de brasileiros, não poderia mesmo interferir diretamente no processo. Fez bem, portanto, o Itamaraty em aguardar um posicionamento das organizações continentais, a Unasul e o Mercosul.
Mas o sismo político paraguaio merece ser observado com atenção pelas demais democracias latino-americanas, principalmente quando se sabe que alguns governos da região já vêm flertando com práticas pouco democráticas, decorrentes do messianismo dos mandatários e do populismo exacerbado de que se valem para se manter no poder. O arbítrio é inaceitável, venha ele do lado do espectro ideológico que vier. Por isso, a democracia tem que ser reforçada com regras claras e insofismáveis, para que os cidadãos possam ter segurança de que seu direito de escolha não será solapado pela vontade de políticos que nem sempre utilizam seus mandatos e suas prerrogativas constitucionais na defesa dos interesses do país.
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