O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar sua opinião em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
Continua depois da publicidade
ENTRE O DIREITO E O ABUSO
O país acompanhou esta semana desconcertantes manifestações de servidores públicos por melhores salários e reformas em seus planos de carreira. Comandados pelo Fórum Nacional das Entidades dos Servidores Públicos Federais, que reúne 33 associações sindicais, milhares de funcionários em greve fizeram passeatas em Brasília, pararam o trânsito na Esplanada dos Ministérios, bloquearam a entrada de instituições públicas e gritaram palavras de ordem contra o governo, acusando-o de utilizar a crise econômica como pretexto para não atender às suas reivindicações. Na semana anterior, depois de ter sido vaiada em São Bernardo do Campo e no Rio de Janeiro por manifestantes, a presidente Dilmar Rousseff chegou a autorizar o Ministério do Planejamento e Gestão a cortar o ponto dos grevistas.
A greve é um direito do trabalhador, seja ele pertencente à iniciativa privada ou ao serviço público. Este direito está garantido a todos os brasileiros pelo artigo 9º da Constituição Federal. Já o capítulo da Carta destinado à Administração Pública diz, no seu artigo 37, que o direito de greve do servidor público será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Como a referida lei não foi aditada até hoje, fica o vácuo legislativo para interpretação de julgadores, que raramente admitem qualquer penalização aos servidores grevistas.
Continua depois da publicidade
Mesmo quando o Executivo autoriza corte de ponto e desconto salarial, a regra geral tem sido a anistia. Por isso, as greves do setor público tornaram-se muito mais frequentes do que no setor privado, onde o mesmo direito do trabalhador tem uma contrapartida rigorosa em suspensão de pagamento e até mesmo em demissão.
Só que as paralisações do serviço público costumam causar danos maiores à sociedade, pela absoluta inexistência de alternativa para os usuários. Quando os professores universitários suspendem suas atividades, como vem ocorrendo há mais de dois meses, milhares de estudantes ficam impossibilitados de dar sequência aos estudos e de galgar outros degraus de sua formação. Quando os trabalhadores da saúde pública cruzam os braços, a população mais carente fica sem atendimento. Quando os agentes da burocracia oficial param de trabalhar, os cidadãos ficam sem soluções para suas demandas.
Não é o governante, o ministro ou mesmo o reitor da universidade que sofre o maior dano numa paralisação. É o cidadão, o contribuinte, o estudante. Para estes, portanto, não é justo que o servidor inadimplente com o seu trabalho, por mais justa que seja a sua causa, não arque com as consequências de sua decisão. Obviamente, os cidadãos também preferem que os seus representantes no setor público sejam dignamente remunerados, até mesmo para que possam receber deles serviços qualificados. Mas não podem aceitar como normal a suspensão por tanto tempo de atividades essenciais sem que os grevistas sejam devidamente responsabilizados. E responsabilização significa, sim, como propõe a presidente Dilma, corte do ponto e desconto salarial de quem não comparece ao trabalho nem executa as funções para as quais foi contratado.
Sem contrapartida, o direito se transforma em abuso.