O diario.com.br adianta o editorial que os jornais do Grupo RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados.

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UM SÍMBOLO EM DISCUSSÃO

Considerada uma das mais representativas obras da engenharia do ferro nas primeiras décadas do século 20, a Ponte Hercílio Luz, de Florianópolis, é objeto da permanente atenção da sociedade. Muitas vezes por sua beleza e seu significado, o que é o ideal. Mas, também, e infelizmente, pelo arrastado processo que envolve a sua interdição e as inúmeras tentativas e promessas de restauração e recuperação de suas estruturas.

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O mais novo capítulo desta história é um relatório elaborado pelo consórcio de empresas que, desde 2008, atua na restauração da primeira travessia entre a Ilha de Santa Catarina e o Continente. Neste material, o consórcio afirma que o risco de desabamento da ponte cresceu muito e que a recuperação é urgente. Em contrapartida, o governo do Estado, a quem cabe a responsabilidade pela obra e pelo patrimônio, afirma que o risco não é maior nem menor do que em outros anos. E entende que o momento é de liberar recursos com parcimônia, ao mesmo tempo em que reavalia todos os investimentos já feitos, os custos ainda previstos e as formas de bancá-los.

Especulações e alertas sobre o perigo de a estrutura mergulhar na Baía Sul não são novidade, pois foi este o motivo da interdição da ponte para o tráfego, em 1982, na etapa final da administração do governador Jorge Bornhausen, com base em um laudo técnico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo. E lá se foram quase 30 anos sem um plano concreto e consistente de recuperação.

Neste período, em que 14 governadores sucederam-se no comando do Estado, a situação só fez piorar. Pouco ou quase nada foi feito para, ao menos, preservar a ponte da ação do tempo, enquanto sua reforma não ocorria para valer. A “velha dama” resistiu ao limite. Mas a sua capacidade de resistência, com efeito, em algum momento chegará ao fim.

A construção da primeira travessia foi iniciada no final de 1922. A sua inauguração ocorreu em 13 de maio de 1926. A obra pioneira deveu-se à visão e ousadia do governador Hercílio Luz, que, com ela, consolidou Florianópolis, então com perto de 40 mil moradores, como capital política e administrativa de Santa Catarina, e estabeleceu as bases para o seu crescimento econômico. Foi como escancarar as portas e as janelas da pacata cidade para o mundo.

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A Hercílio Luz é uma das maiores pontes pênseis do mundo, com seus 819,4 metros de comprimento total _ 339,4 metros de vão central, 259 de viaduto na parte insular e 221 de viaduto na área continental. As duas torres medem 75 metros a partir do nível do mar, e o vão central, 43 metros.

Os números do memorial descritivo do projeto dos engenheiros norte-americanos Robinson e Steimann atestam, com eloquência, a magnitude e admirável técnica deste monumento da engenharia e do fazer humano, que consumiu cerca de 5 mil toneladas de aço e 14,250 mil metros cúbicos de cimento.

O desabamento, por incúria, deste raro monumento, exporia Santa Catarina a duras e merecidas críticas da comunidade internacional, dado o valor e a singularidade da Hercílio Luz.

Ela é um patrimônio dos catarinenses de fato e de direito (data de 1997 o decreto de seu tombamento como patrimônio estadual). Faz parte da história da cidade e das melhores lembranças de diversas gerações de catarinenses. Deixá-la sucumbir, mais do que um erro, seria um crime.

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Restaurá-la para que continue a funcionar como símbolo e cartão-postal de Florianópolis? Reformá-la para que ajude a desobstruir o tráfego entre a Ilha e a área continental e, por consequência, no entorno da Capital? As opiniões divergem, e a participação da sociedade na busca da resposta é necessária. De outra parte, que o governo, em seus primeiros meses de atuação, avalie cada centavo gasto e por gastar, procurando conciliar esta obra com tantas outras demandas por infraestrutura no Estado. A grande prova de competência e compromisso do governo será aprofundar esta análise e, ao mesmo tempo, assegurar que de forma alguma a ponte venha a sofrer um dano irreparável.

Há urgência nas soluções e decisões. Menos pelo enésimo relatório a alertar para os riscos e mais porque governo e sociedade não podem se declarar incapazes de resolver um problema que é de todos. A Ponte Hercílio Luz não pode desabar e se transformar em um monumento submarino da inércia dos poderes públicos e da sociedade diante deste valioso e importante patrimônio coletivo.