O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
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OS INCOMODADOS QUE SE MUDEM
Merece uma reflexão mais aprofundada esse episódio que envolve o jogador Jô, do Internacional, e seus vizinhos do bairro Vila Jardim, em Porto Alegre. Sentindo-se perturbados pelo barulho das festas promovidas pelo atleta em sua residência, os moradores da rua recorreram à Justiça para fazer cumprir a Lei do Silêncio, a legislação municipal que dispõe sobre medidas para impedir ou reduzir a poluição proveniente de sons e ruídos excessivos. Até aí tudo normal, um conflito comum nos centros urbanos encaminhado para a solução judicial. O que despertou a curiosidade e a indignação da opinião pública foi a manifestação do atleta sobre o incidente: “Quem estiver incomodado que se mude”, sentenciou, evidenciando uma mentalidade egoísta e incompatível com a convivência civilizada.
Infelizmente, não se trata de uma visão isolada. A desconsideração com o próximo é muito mais comum do que pode sugerir esse episódio envolvendo um personagem de grande visibilidade devido à atividade que exerce. O problema não é o atleta, é o comportamento que ele simboliza. Veranistas do Litoral, moradores de bairros menos sofisticados, vizinhos de casas noturnas enfrentam com muita frequência os dissabores do barulho insuportável. A tecnologia do som proporcionou aos indivíduos o poder de destruir a tranquilidade alheia – e muitas pessoas não hesitam em utilizá-lo.
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Mas as manifestações cotidianas de incivilidade não se restringem ao universo dos ruídos. No trânsito, que é onde as pessoas são obrigadas a compartilhar espaços, elas aparecem no desrespeito às faixas de segurança e aos semáforos, na disputa por vagas em estacionamentos públicos, nas infrações diversas e até em reações criminosas contra a fiscalização. Os “jôs” de todos os dias também furam filas, jogam lixo na rua, picham paredes, usam os cotovelos para chegar na frente e consideram-se no direito de cometer pequenas transgressões para levar vantagem.
Incivilidades nem sempre são delitos, mas são atos que rompem as regras elementares da vida social. Quebram o pacto social de relações humanas. Quando proliferam numa sociedade, instaura-se um sentimento de abandono do espaço público e de desamparo pessoal – e as vidraças quebradas, como comprova a célebre teoria da impunidade, estimulam o descaso, a repetição de delitos, a falta de confiança nas instituições e a anarquia.
Como se atenua este mal da civilização, causado pelo egoísmo e pela falta de solidariedade? Evidentemente que com educação. As leis, a vigilância das autoridades, as punições para os infratores também funcionam, mas o principal antídoto para a intolerância continua sendo a educação familiar e escolar, especialmente quando centrada numa cultura de paz, no respeito às diferenças e no estímulo à convivência humanitária.