Portas e janelas fechadas viraram rotina para moradores da Rua Curt Hering, no Bairro Barra do Rio. A vizinhança tenta evitar a invasão da fuligem que vem das chaminés da fábrica de papel Nova Papéis, que suja o chão e se acumula sobre os móveis. A preocupação dos moradores é que, além do trabalho redobrado, a fumaça possa representar risco à saúde _ uma desconfiança reforçada pelo fato de a empresa operar sem licença ambiental.
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O prazo dado pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma) para que seja feita a regularização está prestes a terminar. Enquanto isso, os vizinhos aguardam uma resposta do Ministério Público ao transtorno que têm vivido.
Moradora do 10º andar de um condomínio bem em frente à fábrica, a dona de casa Patrícia dos Santos, 32 anos, não passa um só dia sem tirar o pó do apartamento. Ontem, a faxina havia sido feita pela manhã _ mesmo assim, bastou que ela passasse o dedo pelo parapeito da janela para mostrar a rapidez com que a fuligem se acumula.
_ Em um ano, já pintei os rodapés três vezes porque a sujeira fica impregnada.
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Nos apartamentos que não têm moradores, a situação é ainda pior: uma grossa camada de poeira se espalha pelo chão e gruda nos sapatos. Mãe de uma menina de 10 anos, Patrícia diz que a filha tem sofrido com o pó e o cheiro forte da fumaça, que surge principalmente durante a noite.
Basta o odor subir ao apartamento para a menina começar a espirrar. Irritação na garganta e tosse também são sintomas comuns na vizinhança.
Mesmo quem mora em casas, e fica abaixo da altura das chaminés, reclama da fumaça. Mãe de três filhos, um deles portador de bronquite, a empresária Rosane Cristina Franzmann, 41, chegou a procurar o Ministério Público há três anos, pedindo providências. Diz ter observado que houve mudanças externas na caldeira da fábrica, mas garante que o transtorno continua.
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_ Comecei a construir em outro local e vou me mudar. Não posso esperar mais para que isto acabe.
A exemplo de Rosane, outros moradores procuraram no mês passado a 10ª Promotoria de Justiça, responsável pelas questões relativas ao Meio Ambiente em Itajaí. A assessoria informou que foi instaurado um inquérito civil público para apurar a situação, e aguarda resposta dos órgãos ambientais. O prazo para que se manifestem termina na próxima semana. (Colaboraram Patrícia Auth e Victor Pereira) ?
Laudo avalia se fumaça é prejudicial à saúde
Um laudo sobre os gases e líquidos liberados na fábrica foi pedido pela Fatma à empresa Nova Papéis. Segundo o gerente regional do órgão em Itajaí, Wagner Cleyton Fonseca, os documentos foram entregues na semana passada e ainda passam por análise técnica, que vai constatar se a fumaça emitida pela chaminé pode ou não representar risco à saúde dos moradores próximos.
A Fatma também autuou a Nova Papéis para que a empresa regularize a licença ambiental de operação, que está vencida. Fonseca informou que, caso não providencie a documentação, a fábrica pode ser interditada.
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No ano passado, a Fundação do Meio Ambiente de Itajaí (Famai) já havia multado a empresa em R$ 100 mil, por falta de licença ambiental e lançamento de resíduos a céu aberto. Diretora de Licenciamento e Fiscalização do órgão, Thamy Regina Pfeilsticker informou que a notificação está em fase de julgamento, após a fábrica ter apresentado defesa.
Devido a mudanças na legislação ambiental, a fiscalização da Nova Papéis não cabe mais à Famai, mas à Fatma _ que é o órgão licenciador.
Fumaça não significa poluição, alerta especialista
Mestre em Ciência e Tecnologia, o professor Márcio da Silva Tamanaha, da Univali, diz que para afirmar se uma fábrica que emite fumaça está ou não poluindo o meio ambiente é preciso saber se os gases lançados na atmosfera ultrapassam os padrões de qualidade do ar.
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É o que ocorre, por exemplo, se há excesso de monóxido de carbono ou nitrogênio _ o que está em análise no laudo entregue à Fatma pela fábrica de papéis de Itajaí.
Fatores meteorológicos, como a direção do vento e a inversão térmica podem influenciar nos níveis poluidores das indústrias. No caso de uma fábrica de papel, a instalação de filtros adequados, com condensadores que retêm os poluentes, podem garantir um ar saudável à vizinhança.
_ Se os níveis estiverem acima do permitido podem afetar o bem-estar da população, principalmente idosos, crianças e pessoas com problemas respiratórios _ diz Tamanaha.
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Irritação na garganta, náuseas, dores de cabeça, dores abdominais e dificuldade para respirar podem ser indicativos de que há algo errado com o ar que se inala. Mestre em Saúde e Meio Ambiente, o médico Helio Cezar Gomes dos Reis alerta que, entre portadores de doenças crônicas, como rinite, asma ou bronquite, não é preciso que os níveis de poluentes estejam elevados para que a saúde seja prejudicada:
_ Nesses casos, somente a exposição à fumaça já pode desencadear crises. ?
Contraponto
O que diz a empresa Nova Papéis Indústria e Comércio de Papéis:
Secretária da empresa Nova Papéis, Jéssica Rinaldi informou que a empresa só presta declarações para a Fatma. Ela confirmou que a fábrica enviou o laudo ambiental ao órgão na quinta-feira passada e que aguarda o resultado da análise. Jéssica disse, ainda, que nenhum outro pronunciamento sobre o caso seria feito pela indústria.