Depois de quase uma hora esperando, até que enfim chega a minha vez. Suspiro aliviada e entrego para o caixa – um homem sisudo, com cara de poucos amigos – os carnês do IPTU, IPVA, INSS, fatura de cartão de crédito, das escolas das crianças… Uma papelada sem fim. Dou ao moço o cartão de cliente do banco, espero enquanto ele soma todos os meus débitos e, quase encerrando toda a operação, ele vem com a frase fatídica: “a senhora pode digitar a sua senha”.
Continua depois da publicidade
Seguro o teclado e me dá um branco. Aliás, branco é pouco. Meu cérebro fica transparente, totalmente oco. Olho para o homem do caixa com cara de quem está suplicando por socorro e ele ali, impassível, provavelmente pensando: “mais uma que esqueceu a senha… Dai-me paciência meu Deus.”
Tento a senha numeral de seis dígitos. Não, essa é a do computador. Quem sabe é aquela que mistura umas letras do meu nome e outras do sobrenome? Também não dá certo. Essa deve ser a que uso no trabalho. Data de nascimento dos filhos? Não, essa era uma senha antiga que me mandaram trocar por questão de segurança… Aniversário de casamento, talvez? Placas do carro? Número do meu prédio e apartamento? Sequência de 0 a 6? Não, seria óbvio demais. De 6 a 0, então? Nada… Os números que jogo na megassena? Que bobagem, eu nunca jogo. E o desespero, ali, se apoderando de mim.
Eu ficava cada vez mais nervosa e sem coragem de levantar os olhos e me deparar com a cara do homem do caixa me fuzilando de raiva. Olhei de canto de olho e vi que a fila de clientes aumentava sem parar. E eu ali, com cara de boba sem saber mais o que tentar.
Uma última e desesperada tentativa e… viva! Dessa vez deu certo! Quase vibrei alto, de tanta alegria, mas acho que a cena pareceria ainda mais ridícula. Suspirei aliviada, como se tivesse me libertado de um fardo enorme.
Continua depois da publicidade
A vida da gente se transformou num emaranhado de senhas e códigos. Para tudo tem um número secreto ou uma palavra-chave. Esqueceu a senha? Está desplugado do mundo. Se nós pudéssemos utilizar a mesma combinação de letras ou números (ou de ambos) para todas as coisas, até que seria fácil. Mas não é assim. São dezenas de senhas, uma para cada banco, computador, telefone, e-mail, alarme de casa e, agora, até os porteiros eletrônicos são cheios de números, tudo em nome da segurança.
Eu, que nunca fui fã de ficção científica, fiquei encantada quando, dia desses, assistindo a um filme, uma cena mostrava as pessoas sendo identificadas através de um leitor óptico. Ou seja, era só aproximar os olhos do aparelho para que ele decifrasse sua identidade – uma espécie de impressão digital, mas só que do olho.
Como não há duas retinas iguais no mundo, a identificação é supersegura. É tudo o que eu queria: chegar ao banco ou na frente do computador, aproximar meu olho do aparelhinho e ouvir as duas palavrinhas mágicas: “acesso permitido”, como no filme. Espero ainda estar viva para ver isso. E dar adeus às minhas dezenas de senhas.