Nos meus tempos de menina, ele era uma exceção. Lembro tão bem daquele homem… Em todas as reuniões de pais e professores, lá estava ele. Chegava segurando a mão de Zélia, a filha. E, sem demonstrar qualquer constrangimento, sentava-se junto às mães das outras crianças. Ele era o único pai lá, no meio daquele monte de mulheres que falavam sem parar, enquanto esperavam o início da reunião marcada pela direção da escola. Zélia perdeu a mãe quando estávamos no terceiro ano primário.
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Foi, para a maioria de nós, crianças de oito, nove anos de idade, o primeiro contato com a morte. A mãe havia morrido de câncer de mama, e o pai, Francisco, assumira a criação das quatro filhas praticamente sozinho. Zélia era a mais nova. Eles tinham uma empregada, mas ela cuidava da casa. Ele, da crianças. E, embora tivesse um importante cargo em uma grande indústria de calçados da cidade, não abria mão de acompanhar bem de perto a educação das meninas.
Participava das tais reuniões de “pais e mestres”; discutia com as professoras as notas nos boletins das filhas; levava todas, de carro, para comprar roupas novas na maior loja de departamento da cidade (ainda não havia shopping, pelo menos não onde morávamos). Viajava com elas para a praia nos finais de semana, e sempre havia uma “vaguinha” no carro para as amigas.
Achávamos engraçado aquele homem, tão grande e tão importante, se preocupar com coisas tão femininas, como explicar para as filhas mais velhas que elas precisavam comprar absorventes e, para as menores, como a Zélia, o que era a tal menstruação. Se hoje isto já é normalmente assunto entre mãe e filha, o que dizer de coisas acontecidas há mais de 30 anos?
Aos pais, naquela época, cabia a tarefa de sustentar a família. Trazer dinheiro para casa e – se fosse realmente um cara bem legal – ele tirava um tempinho para brincar com os filhos, de noite e nos finais de semana. O resto era com a mãe. Ou com as empregadas, no caso das famílias mais ricas. Mas o pai de Zélia era diferente. Tornou-se pai e mãe ao mesmo tempo, e nunca quis abrir mão deste papel. Quando perguntavam se pretendia se casar novamente, ele dizia: Talvez um dia, depois de terminar de criar e encaminhar minhas meninas.
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E, uma a uma, elas foram entrando na adolescência. As gurias cresciam na mesma proporção em que escasseavam os fios de cabelo preto na cabeça de Francisco. Dizia ele que estava grisalho de tanta preocupação com o futuro das meninas.
Quando íamos brincar na casa de Zélia, que tinha um pátio imenso cheio de árvores, Francisco sentava-se conosco, assim que chegava do trabalho, e dizia:
– Vocês têm que brincar, aproveitar esta fase tão boa da vida. Mas também precisam levar a escola a sério, para no futuro terem uma boa profissão e nunca depender de homem algum. E, quando for a hora, escolher um bom namorado que, depois, seja um excelente marido e um ótimo pai para os filhos de vocês.
Na época, a gente achava graça, porque casamento era a última coisa que passava pela nossas cabeças. Nisso, pensaríamos mais tarde. Por hora, ficávamos felizes com os passeios de bicicleta, os filmes no cinema, as paqueras na saída da aula. Não estávamos nem um pouco preocupadas com o futuro.
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Os anos passaram e perdemos o contato. Mudei de cidade, cresci, estudei, casei, tive meus filhos. Provavelmente o mesmo aconteceu com a Zélia e suas irmãs.
Pais como o Francisco, hoje, não são mais raridade. Muitos homens participam ativamente da vida familiar. Até porque eles sabem que, se forem ausentes ou omissos, estarão deixando de aproveitar o melhor presente que a vida pode dar a qualquer um de nós, que é um filho.