Durante muitos anos na minha infância férias significavam viajar em janeiro para passar uns dias na casa da minha avó, que morava em Bagé, município da campanha gaúcha, perto da fronteira com o Uruguai. O pai ficava trabalhando e íamos com a mãe. O ônibus já era uma festa (para nós, crianças, porque para a mãe e para os outros passageiros devia ser horrível). Não ficávamos muito tempo sentados. Corríamos pelo estreito corredor (nem se falava em cinto de segurança naquela época), conversávamos com todo mundo, fazíamos piqueniques nos nossos assentos, brincávamos de escolher as casas mais bonitas que iam passando pela janelinha do ônibus. Provavelmente quando dormíamos – se é que isso acontecia – os outros passageiros sentiam-se aliviados.

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Demorava muitas horas para chegar lá. Quando víamos as luzes da cidade, bem longe, atrás daquele monte de campo, ficava difícil conter a alegria e a expectativa.

– Mãe, olha lá as luzinhas. Tamo chegando, tamo chegando….

Lembro como se fosse hoje dos nossos cantos e palmas, extasiados. Provavelmente alguns outros passageiros também nunca se esqueceram daqueles pestinhas que não ficavam quietos.

A cidade era meio estranha. As casas antigas, muitos sobrados, grudados um nos outros, janelas e portas altíssimos, as luzes amarelas nos postes, aquela larga avenida central com um canteiro no meio, as igrejas, as pessoas… Eu achava tudo muito diferente da cidade onde eu vivia. Sempre imaginava histórias de terror e suspense naquelas ruas. Provavelmente acreditava que eram casarões mal- assombrados. A casa da minha avó também era bem antiga, com um teto que só um gigante conseguiria alcançar, e para limpá-lo usava-se um espanador de pena de uns dois metros de comprimento, muito esquisito.

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No item de esquisitices, aliás, não posso esquecer do “quarto de banho”, como minha avó dizia (um termo usado pelos antigos): em um canto havia uma grande banheira branca sustentada por quatro pés, que mais pareciam longas pernas achatadas. Quantas vezes criei fantasias enquanto tomava banho nela! E o quarto do meu bisavô tinha uma passagem secreta, que levava para a casa contígua, que é onde ficava o armazém dele. Uau! Passagem secreta era o máximo! Acho que foi aquele cenário que despertou o meu gosto por contar histórias.