Uma tia distante, de quem poucas vezes ouvi falar, dia desses me telefonou.
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– Oi, querida, quanto tempo!
Estranhei a intimidade mas tentei ser simpática também.
– E aí, tia, como vão as coisas?
Não quis perguntar pelo marido dela, nem pelos primos, porque não lembrava sequer se ela era casada. É um daqueles casos de parente que a gente nunca encontra na vida. Pensei: boa coisa não deve ser este telefonema.
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– O que houve, tia? Que milagre a senhora ligar para mim.
Ela foi rápida no gatilho: vou fazer uma festa no meu sítio e quero reunir toda a parentada. Entendeu bem? Quero to-dos vocês aqui. Pelo menos uma vez na vida!
Ah, e pode trazer o marido e as crianças!
– Tia, minhas crianças já são homens feitos, e eles têm seus próprios programas nos fins de semana. E a gente tem que trabalhar no domingo, sabe como é a vida de jornalista… Tentei me esquivar, mas não teve jeito.
Aquela ligação durou horas. Ela me disse o nome de todos os primos e primas que estariam lá. Contou que até já havia convencido as colegas do coral da igreja para cantarem na festa.
– Depois do churrasco ao meio-dia, a gente tira as mesas e dá até para ensaiar um bailinho. E de tarde tem torta com docinhos – anunciou.
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Ou seja: não era um simples almoço de confraternização familiar. Era um verdadeiro kerb alemão. Se duvidasse, era capaz dela querer começar a festa no sábado e terminar só no domingo de noite.
Para não decepcionar a família, lá fomos nós. Munidos de toda a paciência do mundo para ouvir aquele: “nossa, como ela está grande”. “Te conheci bem pequenininha, e olha só como você está hoje…” Isso não muda nunca.
O sítio fica em uma região linda, bucólica, de estradinha de chão batido e árvores carregadas de frutas. Foi a primeira vez que pensei que o programa de domingo não precisaria ser, necessariamente, um programa de índio. Iria depender, também, um pouco da minha boa vontade. Respirei fundo e entrei no clima.
A casa já estava cheia. As crianças corriam feito loucas na grama. Os homens cuidavam do churrasco. A carne, aos poucos, ficava tão corada quanto as bochechas de meus tios, depois de alguns copos de vinho. Na cozinha, a mulherada se dividia em equipes: as que cuidavam das saladas, as que cuidavam das sobremesas e as que só se preocupavam em colocar as fofocas em dia. Entrei e saí da cozinha como um raio. Definitivamente, não era ali o meu lugar.
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Encontrei primos que não via há séculos, e que nunca imaginei que fossem tão interessantes. Vi pássaros que nem sabia que existiam. Coloquei os pés na água fresca de um riacho que fazia um barulho relaxante. Dei risada como há tempos não lembrava de dar.
No fim do dia, cansados, retornamos para casa. Na despedida, um abraço afetuoso na velha tia. Sim, abracei com vontade aquela senhora que havia me ligado alguns dias atrás, e a quem pensei em dar uma desculpa qualquer e não ir à festa.
Por sorte não segui meu primeiro impulso. Podia ter perdido um domingo muito especial. E que, se depender de mim, vão se repetir com mais frequência a partir de agora.