Por Rafael Dias/Especial
Dar à luz, dádiva feminina, pode ser um renascimento para a própria mãe. Gestos como amamentar, proteger, acalentar, amar – situação esperada pela maioria das mulheres que planejam ter um bebê – ganham um adicional, um valor extra, uma experiência de transformação. Foi assim com a itajaiense Maria Elizabeth Sandri Coutinho, 60 anos, cuja maternidade a fez despertar para novos conhecimentos e lições. Um sentimento incondicional que virou missão de vida.
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Presidente há 10 anos da Associação Caminhos para a Vida (ACV), com sede no bairro da Trindade, em Florianópolis, Elizabeth nem sonhava ser voluntária de uma entidade que cuida de jovens e adultos com deficiência intelectual quando teve Mário Wilson. Formada em Estudos Sociais e responsável financeira de uma rede de supermercados de origem familiar em Itajaí, também não imaginava que mudaria de profissão e de setor completamente.
– Quando tive Mário Wilson, por causa dele, decidi fazer cursinho de novo e prestar vestibular para pedagogia. Não sabia o que vinha pela frente – lembra a mãe, que decidiu se especializar em educação especial e, posteriormente, em psicopedagogia em função da necessidade do filho.
Casada com o médico mineiro e professor da UFSC Mário Sérgio Soares de Azevedo, ela teve sua primeira filha, Maíra, aos 27 anos de idade, em Curitiba, no Paraná. Quase dois anos e meio depois é que viria Mário Wilson, um menino forte, gordinho, como ela diz, sem problema aparente algum. No entanto, sinais no bebê aos três meses, como dificuldade em andar, ficar sentado ou andar acionaram o alerta.
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Diagnóstico tardio
Uma peregrinação internacional. Foram nove anos até Elizabeth descobrir a verdadeira situação do filho. Mesmo na companhia do marido cardiologista, a falta de estudos à época sobre a Síndrome de Angelman, um distúrbio neurogenético raro, afligia o casal na busca de um diagnóstico preciso. Isso obrigou que recorressem a exames no exterior. Primeiro, na Alemanha. Durante a pós-graduação do esposo, em 1987, na cidade de Mainz, sul da Alemanha, procuraram um neurologista quando o menino tinha apenas oito meses. Resultado: lesão cerebral. Um baque.
Quatro meses no hospital, sessões de fisioterapia, sete medicamentos ao dia. Tudo para amenizar o quadro de hiperatividade e os ataques de epilepsia que se agravavam. E um prognóstico, dado por uma médica alemã: a de que seu filho não conseguiria andar, ainda que sob todos os esforços possíveis. Mensagem dolorosa para uma mãe, que deixa ferida até hoje, mas não abateu, nem de longe, Elizabeth. Pelo contrário, deu a ela forças para que se superasse.
De volta a Santa Catarina, o casal se fixou em Florianópolis em 1990. Ela começou a estudar pedagogia, enquanto Mário Wilson era acompanhado numa creche por uma recém-formada em educação especial. Mas logo Elizabeth concluiu que era melhor buscar terapias alternativas. Mudou-se para a casa de parentes na praia de Zimbros, em Bombinhas. Lá, usava a hidroterapia em paralelo. Queria ver o filho crescer, andar, correr. Por que não?
Aos quatro anos de idade, Mário Wilson começou, enfim, a andar. Um milagre para a mãe que desconhecia, até aquele momento, a doença que o limitava. Somente 20 anos atrás, quando a criança já tinha nove anos, é que veio a confirmação. O pai fazia agora doutorado em Hamilton, no Canadá. Por um ano, mãe e filho moraram novamente no exterior. O diagnóstico saiu por meio de um teste sanguíneo, o Fish (Hibridização in situ fluorescente), exame que detecta mutações em cromossomos, com apoio de um neurologista canadense. Final de uma saga, mas o começo de outra: o desafio da integração do garoto à vida adulta e social.
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Inclusão social
A experiência no Canadá foi crucial não somente para a atuação de Elizabeth enquanto pedagoga mas também como um embrião para a ACV. O primeiro impacto que ela teve foi se deparar com a valorização dada à pessoa com deficiência. Lá eles eram tratados como iguais, matriculados em escolas de ensino regular junto a outras crianças, com o apoio de um professor exclusivo. A outra surpresa foi perceber que pessoas com necessidades especiais tinham moradia e não voltavam para a casa dos pais após a escola. O estigma de incapazes não era mais um tabu.
Em apenas um ano na escola de Hamilton, Mário Wilson deu mostras de progresso rápido na aprendizagem e na socialização. Antes, o garoto não dava atenção à mãe, havia perdido o controle. Porém, o ensino integrado e a companhia dos colegas lhe ajudaram no desenvolvimento. Mário Wilson acabou virando um exemplo de potência e amor. De volta a Florianópolis, a mãe procuraria profissionais sensíveis a trabalhar com novos conceitos de educação especial.
E muita coisa mudou desde então. Mário Wilson, desenganado e condenado a ficar numa cama ou cadeira de rodas, passou a correr. E muito. Foi a primeira pessoa com deficiência mental a entrar na área de atividades físicas da Udesc para praticar corrida. Após anos de treino e dificuldades, conseguiu participar da corrida do Costão do Santinho, no norte da ilha. Ainda sem concluir a prova, chamou a atenção da equipe da Tribo do Esporte, que o convidou para a Corrida da Lua Cheia. Além dele, competiram uma pessoa com síndrome de Down e outra autista. O resultado foram 5 km percorridos e uma medalha de bronze, para o orgulho da mãe emocionada:
– Tenho vontade de mandar um vídeo a essa pessoa que não acreditou nele para ela nunca mais fazer isso. Já pensou se eu me acomodasse? – diz Elizabeth, que ajudou a criar, em 2005, a Associação Caminhos para a Vida junto a outros pais de filhos especiais, após o fechamento de uma escola particular.
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Trazendo do Canadá a experiência de escola integrada, inclusão social e valorização da autoestima da pessoa com deficiência, Elizabeth diz que o objetivo da entidade é oferecer um projeto-piloto que une centro de convivência, casa de hospedagem e moradia para que outros voluntários se inspirem. Se considerarmos a evolução de Mário Wilson, 29 anos, a iniciativa merece ser multiplicada.
Doações
Fundada em 2005, mas em operação desde 2008, a Associação Caminhos para a Vida teve sua primeira sede na Carvoeira. Conseguiram alugar um amplo imóvel no bairro de Florianópolis graças a uma campanha de arrecadação de roupas e um brechó, reunindo uma quantia de R$ 80 mil. Em função dos altos custos de manutenção da casa, fizeram, porém, uma mudança há três anos para a sede atual, onde já funcionava a experiência da hospedagem.
O serviço da hospedagem funciona exclusivamente aos fins de semana – das 19h da sexta-feira até 18h do domingo. A capacidade atual é de seis leitos e deve ganhar mais unidades em breve. Mais três quartos estão em construção, assim como uma cozinha, uma sala e uma área de convivência. No momento, as obras estão paradas.
– Este é um serviço muito importante. Hoje temos adultos especiais com quase 40 anos. E algumas famílias nunca tiveram uma pessoas com quem deixá-los. A nossa experiência mostra que isso é bom tanto para a família quanto para o hóspede, que passa a desenvolver sua autonomia – explica a diretora técnica Denilsa Fedrizzi, 51 anos, natural de Florianópolis, mãe de um autista de 30 anos e uma das fundadoras da associação.
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Atualmente a entidade recebe 11 rapazes e quatro moças com algum tipo de deficiência mental, com faixa etária entre 18 e 39 anos. Todos os dias eles participam de atividades; às quartas e sextas, o período é integral.
No centro de convivência, participam de oficinas pedagógicas de música, psicomotricidade, atividade física, artes, jogos cognitivos e culinária por uma equipe interdisciplinar formada por psicopedagogo, psicólogo, pedagogo, educador físico, fisioterapeuta, entre outros. Também realizam passeios a teatros, praças, museus e universidades. Para doações, o site é caminhosparavida.org.br e o e-mail, caminhosparaavida@gmail.com.