Desde um capítulo clássico da história do nosso colunismo, mais exatamente quando Platão covardemente expulsou o poeta da República, poeta que não se deu por vencido e reencarnou agora no corpo de Caetano Veloso, não víamos na imprensa nacional tanta polêmica e tanta vaia a respeito de um assunto que não costuma ter muito Ibope entre os mortais: a literatura.
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Em resumo, foram dois fatos que movimentaram os ânimos desse povo triste: 1) o polêmico discurso do escritor Luiz Rufatto na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, onde o Brasil foi o país homenageado; e 2) as declarações de Caetano, Chico Buarque, Djavan e banda a respeito de uma política de biografias no país, assunto que vem atrapalhando o humor do brasileiro depois que o cantor Roberto Carlos, amparado na lei e seguindo o exemplo da Xuxa, mandou recolher todos os exemplares de uma biografia sua das livrarias. Um fato não tem nada a ver com o outro, pelo menos a princípio, e isso é que nos parece o mais surpreendente.
Vamos começar pelo fim, ou seja, destacando alguns efeitos que extrapolam as fronteiras do bom debate e alcançam aquela região sombria do discurso que é mais conhecida como barraco. No Twitter, essa reprodução virtual do churrasco na laje, onde tudo pode acontecer, a produtora e ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, chamou uma colunista da Folha de S. Paulo de “chata, recalcada e encalhada”, perguntou se ela “não tem mais o que fazer” e arrematou usando termos que infelizmente não podemos reproduzir. Tudo isso em pouco menos de 140 caracteres. A fúria se deu porque Lavigne tentou ler a matéria do jornal antes de ser publicada, teve seu pedido negado e depois ainda foi dedurada publicamente.
Por sua vez, em entrevista a um jornal alemão, Rufatto declarou que “quase foi agredido fisicamente” em Frankfurt por brasileiros, esse povo educado e ilustrado que tem biblioteca em casa e viaja pra Europa sem parcelar a passagem, apenas porque revelou aos gringos que nosso país, a despeito de ter crescido economicamente, continua sendo machista, preconceituoso, covarde e hipócrita, entre outras coisas. Em um discurso bastante óbvio, mas surpreendente para a abertura de um evento com natureza oficial, o escritor divulgou uma série de números que quase todo mundo já conhece, sendo muito aplaudido pela maioria e questionado por uma minoria, como Marta Suplicy e Ziraldo – a primeira disse que “faltou o lado mágico da literatura” e o segundo recomentou que “Rufatto se mude do Brasil”.
Além dos barracos, os assuntos movimentaram também grande parte da inteligência brasileira e até mesmo internacional, mas mesmo assim o debate contou com imagens fortes. José Miguel Wisnik, em sua coluna no jornal O Globo, a despeito de tratar o assunto com a seriedade que provavelmente merece, fechou seu comentário classificando a apresentação brasileira em Frankfurt como uma “golfada hedionda”. Já o norte-americano Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector, em carta a Caetano Veloso, solicitou que o baiano “não seja um velho coronel” e se despediu com um “abraçaço” que mais pareceu um piparote, pra ficarmos em uma expressão que não comprometa a amizade de ambos.
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A semana ainda contou com um chilique de Paulo Coelho, que ficou ofendido porque alguns de seus amigos não foram convidados pra Frankfurt e por isso, como forma de protesto, cancelou sua participação; e com outro discurso na abertura da Feira, dessa vez consensualmente constrangedor, o de Michel Temer, que teria maior destaque caso a semana tivesse sido mais calma. O vice-presidente do Brasil cometeu a temeridade de lembrar o livro de poemas que publicou recentemente, Anônima Intimidade, e resumiu:
– Não recebi críticas, mas também não recebi elogios. Em suma, recebeu uma vaia anônima e silenciosa, paradoxo que sem dúvida explica seu projeto poético. ;