Durante o evento Redefinindo a Paz – Tráfico de Mulheres, que ocorre nos dias 11 e 12 em Florianópolis e discute o tráfico de mulheres no país, um depoimento chamou atenção e retratou a gravidade do problema que atinge vítimas, na maioria das vezes mulheres.

Continua depois da publicidade

Mulata e pobre ela saiu de Lages, cidade natal e chegou em Florianópolis ainda muito jovem, com a ideia de ter oportunidades. Aos 13 anos começou a se prostituir. Aos 18, encantada por uma vida melhor no exterior, aceitou a proposta de trabalhar como cabeleireira na Espanha.

Uma vez no país estranho, não conseguiu mais sair. Logo percebeu que era uma mercadoria, obrigada a pagar uma dívida, fazia programas até a exaustão. Várias vezes foi estuprada e apanhou do “gerente da casa” para quem devia. Hoje aos 39 anos, ainda não sabe ler e nem escrever.

Atualmente ela mora em Florianópolis e mantem uma casa de prostituição. Na entrevista exclusiva para o Diário Catarinense, a mulher que não quer ser identificada por ainda ter medo da máfia do tráfico, conta detalhes da sua vida. ?

Continua depois da publicidade

Diário Catarinense _ Como surgiu a proposta de trabalho na Espanha?

Mulher traficada _ Eu tinha uma amiga que foi e voltou de lá. Sempre tinha aquela ilusão de comprar roupas caras e não decepcionar a família. Fui com a ideia de trabalhar como cabelereira, fiz até um curso aqui. Chegando lá, tinha sempre alguém que aliciava, eles diziam que era pra fazer faxina, chegava lá não tinha faxina nenhuma, todo mundo sabia e o valor era o triplo, mas o dinheiro nunca vinha pra gente.

DC _ Como foi que você se deu conta que estava sendo traficada?

Mulher traficada _ Foi um desespero. Chegava as três da tarde e não conseguia levantar da cama, o corpo doía e vinha o desânimo. Ai eles ofereciam cocaína, eu tinha que cheirar pra levantar da cama.

DC _ Foi assim que você se viciou?

Mulher traficada _ Sim. As amigas usam, a gente fica envolvida e acaba achando que é melhor assim. O cliente também pagava mais se rolava droga.

Continua depois da publicidade

DC _ E o dinheiro? Você não recebia?

Mulher traficada _ Não chegava na nossa mão. Eles ficavam com o dinheiro e diziam que estavam mandando pra família. Depois descobri que era tudo mentira. Cobravam multa e a dívida nunca acabava. A gente também não podia falar italiano para não se comunicar com os clientes e não podia sair com o mesmo cliente mais de três vezes pra não criar um vínculo.

DC _ E como o gerente da casa tratava vocês?

Mulher traficada _ Logo quando cheguei, “passei pela mão dele”, todo mundo passava por ele. Depois ele batia e maltratava. Mas a carência era tanta que a gente acabava se apegando para ter uma segurança, ganhar a confiança deles.

DC _ Quem eram “eles”?

Mulher traficada _ Era um casal, ele era de lá e a mulher do Brasil, isso é comum para ter dupla cidadania e ter trânsito livre entre os países.

Continua depois da publicidade

DC _ Qual o perfil destas meninas brasileiras?

Mulher traficada _ A maioria é do nordeste, tem 18 anos, são pobres e mulatas.

DC _ Você viu meninas que morreram ou adoeceram?

Mulher traficada _ Sim, várias. Muitas adoeciam e eles jogavam na rua porque não tinha mais serventia.

DC _ Quanto tempo você ficou lá?

Mulher traficada _ Fiquei oito anos, sem passaporte. Depois consegui a confiança deles, mas tinha vergonha de voltar para o Brasil. Fiquei lá para continuar tentando ganhar dinheiro.

DC _ Como você estava quando voltou para Florianópolis?

Mulher traficada _ Voltei muito doente, com tuberculose, fiquei três meses internada no Nereu Ramos. Estava muito magra, sem cabelo porque eles cortaram em uma briga lá.

Continua depois da publicidade

DC _ E depois?

Mulher traficada _ Me recuperei e voltei. Fiquei entre a Espanha e Itália por mais quatro anos. Já conhecia o esquema, sabia como me virar. assim consegui dinheiro para comprar minha casa aqui. Pelo dinheiro que consegui juntar percebi o quanto eles ganham em cima da gente.. é muito dinheiro.

DC _ Qual seu conselho para as meninas de hoje que recebem propostas de trabalho no exterior?

Mulher traficada _ É preciso ficar muito atenta com as falsas promessas. Não existe emprego fácil fora do país. Eles oferecem propostas de trabalho como modelo ou então se a menina não é bonita, como camareira. A máfia do tráfico é muito poderosa, eles fazem muita tortura psicológica. Tem que prestar muita atenção, agências credenciadas e não se iludir com promessas.

DC _ Sua família soube o que aconteceu com você?

Mulher traficada _ Sim, mas tudo é muito vergonhoso e alguns só queriam saber do dinheiro. Hoje tenho meninas na minha casa que quem pagou a passagem foi o pai. É um tráfico também. No Brasil, pais vendem os filhos.

Continua depois da publicidade

DC _ Você se arrepende de alguma coisa?

Mulher traficada _ De não denunciar, até hoje tenho medo deles. Nunca vou esquecer, fiz terapia, retomei minha vida, mas as lembranças sempre voltam.