Era para ser só mais um sábado na vida de uma jovem moradora do Meio-Oeste de Santa Catarina. Junto com a família e o noivo, ela foi até a igreja que frequentava desde criança, onde inúmeros rostos conhecidos prestavam atenção cada vez que ela tocava na orquestra durante os cultos. Mas, naquele dia, um olhar em especial a assustava: de um homem, nos fundos, que a observava fixamente.

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O crime que mudou a vida da catarinense ocorreu em junho. Ela está entre as centenas de vítimas de stalking no país. Por pedido dela, o Diário Catarinense não irá identificá-la ao longo da reportagem.

Só em 2021, 859 casos foram registrados no Estado, segundo dados da Secretaria de Seguraça Pública de Santa Catarina (SSP/SC) – 52 deles no Meio-Oeste. Uma prática que deixa cicatrizes, não só na pele, mas na mente das pessoas.

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De acordo com o Código Penal, o stalking é o ato de “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, A prática, que virou crime em março desse ano, pode gerar uma pena de seis meses a dois anos ao agressor, além de multa.

Ainda tentando entender o que aconteceu, a jovem conta que o primeiro contato com o suspeito aconteceu em dezembro de 2020. Ela ia em direção ao banheiro da igreja, quando foi abordada pelo homem, que perguntou se ela era comprometida. 

— Deixei claro que eu era noiva e que ele [o noivo] também frequentava a igreja. Nisso, ele [o stalker] começou a falar coisas aleatórias, versículos biblícos e tentou me dar um abraço, mas eu esquivei — relembra.

Depois do encontro, ela voltou assustada ao salão, onde sentou ao lado da irmã, sentindo que aquela situação não era normal. No sábado seguinte, mostrou à família quem era a pessoa que havia a abordado no banheiro.

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— Nós tocamos na orquestra [da igreja] e enquanto estávamos lá, ele veio do fundo da igreja, parou na nossa frente, ficou me olhando e depois voltou ao lugar dele. Eu parei de tocar. Fiquei assustada, já que essa era uma atitude incomum — salienta.

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Ao fim da celebração, veio a primeira investida. O suspeito foi em direção do carro do tio da catarinense com um pedação de pau. Ele entrou em luta corporal com o parente da jovem, até que o pastor da igreja que ela frequenta com a família conseguiu contê-los.

A vítima relembra que, durante a briga, o stalker citava passagens biblícias e dizia que ela seria dele. Um boletim de ocorrência sobre o caso foi feito no dia. 

— Aquela noite foi traumatizante e assustadora, mas continuamos vivendo a vida — diz a vítima.

O novo ataque

O intervalo entre o primeiro contato e o novo ataque foi de seis meses. Nesse tempo, o stalker voltou à igreja e participou de outros cultos, mesmo com os conselhos do pastor para que ele parasse de frequentar o lugar. A preocupação e o nervosismo eram sentimentos que conviviam juntos com a jovem nesses dias.  

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Até que chegou o dia 13 de junho de 2021 e a vida da vítima mudou drasticamente. Ela estava junto com outros colegas, onde participaria de um ensaio antes da celebração, quando o suspeito chegou até o local. 

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Com olhar fixo, descrito pela jovem como “ameaçador”, ele foi até ela e parou do seu lado. Depois disso, tudo aconteceu rapidamente.

— Minha irmã gritou ‘corre que ele tá com uma faca’ e nisso eu saí correndo, junto com o meu noivo. O pastor até tentou conter ele [o agresssor], mas não conseguiu. Até que minha irmã abriu a porta lateral e nos deixou passar — detalha.

A irmã da vítima tentou segurar a porta para impedir que o homem chegasse até ela, mas, por ser mais forte, ele conseguiu empurrá-la, a derrubando escada abaixo. Com a queda, a mulher lesionou o pé.

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Enquanto isso, a jovem continuava fugindo igreja afora com o noivo. Mas, em determinado momento, o suspeito conseguiu agarrá-la. Foi quando o noivo dela, ao tentar defendê-la, recebeu uma facada no pescoço. 

— Eu fiquei tão preocupada. Sabia que eu era o alvo dele. Voltei para ajudar o meu noivo, mas ele só pedia para eu correr. Enquanto isso, o homem gritava ‘não cheguem perto que eu vou esguartejar todo mundo’ — relembra com a voz embargada.

Os momentos de terror ainda duraram vários minutos. Ao fugir, a jovem pedia socorro para quem via na rua, enquanto era perseguida pelo suspeito. O alívio só veio quando ela se escondeu na casa de uma pessoa que morava próxima a igreja. 

Enquanto isso, o homem foi contido pela polícia. Ele permanece preso desde o dia do ataque. 

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O agressor foi denunciado pelos crimes de tentativa de homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, dificultar a defesa da vítima e feminicídio – contra a mulher e tentativa de homicídio contra o noivo dela. Ele também responde por lesão corporal contra a irmã da vítima.

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No processo, a promotoria chegou a citar a perseguição excessiva do homem contra a vítima. “O denunciado nutria um sentimento obsessivo pela vítima”, diz o promotor no documento ao qual o Diário Catarinense teve acesso. A denúncia já foi aceita pela Justiça e ele é réu no processo. O caso está em segredo de Justiça. 

Os traumas do stalking 

Quatros meses após o crime, as marcas daquele dia ainda permanecem na memória da jovem. Ela, inclusive, teve que fazer tratamento psicológico depois do ataque e mudou totalmente a rotina por conta do medo. 

— Eu não tinha coragem de sair de casa, mesmo com ele preso. Até hoje eu não saio sozinha. A primeira vez que fui na igreja [onde aconteceram os fatos] eu tive ataque de pânico — relembra. 

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O crime de stalking é capaz de trazer consequências psicológicas sérias para as vítimas. Segundo o psicólogo Hermerson Eckermann da Silva, os traumas podem ser tanto de queda de produção até o desenvolvimento de doenças mais graves, como a depressão. 

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— Ser perseguido é uma situação muito desagradável. Nós nos sentimentos inseguros e isso está ligado ao medo, ao que pode acontecer com a gente. Com isso, vou me sentindo mais incluso, longe do social, o que pode gerar componentes como a ansiedade ou até episódios de pânico — salienta o psicólogo.

Entender como o crime afeta a saúde mental das vítimas, inclusive, é um dos fatores que vem auxiliando a polícia a identificar os casos de stalking. De acordo com a coordenadora da Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI) de Santa Catarina, Patrícia Zimmermann, o protocolo é que todos passem por um psicólogo da Polícia Civil para que seja produzida a prova. 

— O crime ainda é recente e precisamos de comprovação. Por isso, quando falamos sobre algo que ameaça a integridade psicológica, estamos discutindo a avaliação psicológica como uma prova da conduta — pontua.

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Para vítimas, o conselho é insistir 

Mesmo com todos os traumas, a mulher vítima de stalking no Meio-Oeste de SC tenta de alguma forma seguir em frente, enquanto aguarda o julgamento do caso. Segundo advogado dela, ainda não há data de quando isso deve acontecer. 

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Enquanto espera, ela tenta ajudar aquelas que, de alguma forma, estão passando pela mesma situação. 

— Tem que insistir, ir atrás, bater na tecla. Se está afetando o seu psicológico, tirando o seu conforto, vá procurar ajuda, não deixe quieto. Porque quando menos se esperar, pode acontecer o pior — aconselha.

As vítimas podem registrar um boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia do Estado. Também é possível solicitar ajuda por meio dos telefones 190, da Polícia Militar, ou 197, da Polícia Civil. 

Infográfico pontua os tipos de stalker que existem
Infográfico pontua os tipos de stalker que existem (Foto: Pedro Cardenutto/Design NSC )

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