Há quase três anos, o advogado Marco Antônio André, de Blumenau, lidou com algo que ganhou ainda mais repercussão nos últimos dias: a violência racial. No fim de setembro de 2017, postes em frente à casa dele amanheceram com ameaças feitas por supremacistas brancos. “Negro, comunista, antifa (antifascista), macumbeiro. Estamos de olho em você”, era a intimidação feita contra Marco. O cartaz racista ainda tinha o desenho de um integrante e do símbolo da Ku Klux Klan, movimento reacionário, extremista e nacionalista branco dos Estados Unidos.
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Embora a questão do racismo tenha vindo à tona por conta da morte de George Floyd, assassinado por um policial branco nos Estados Unidos, localmente a questão do antifascismo foi inflamada após os protestos pró-democracia mobilizados por torcidas organizadas no Brasil — e que vão de encontro aos atos convocados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O termo “antifa”, até então pouco dito no país, ganhou as manchetes e passou a ser procurado nos dicionários.
"Não podemos nos pautar por lutas norte-americanas"
Para o advogado blumenauense, que encarou ao menos três tipos de violência (racial, ideológica e religiosa), os protestos desencadeados pela morte de Floyd — Black Lives Matter — são justos, mas ressalta que os brasileiros “não podem se pautar por lutas norte-americanas”. Na avaliação de Marco Antônio, existem exemplos embaixo dos nossos narizes que podem ser estopim para mobilizações populares — como, por exemplo o fato de que sete em cada 10 vítimas de mortes violentas são negras ou pardas.
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— O caso mais recente é do João Pedro [garoto morto durante uma ação policial no Rio de Janeiro], que a PM diz ser inconclusivo saber de onde saiu o tiro. Meu Deus do Céu… Só tinha os policiais lá, ele tomou um tiro nas costas, e o governo do RJ vem me dizer que é inconclusivo? O meu caso é ínfimo perto do João, já que ele perdeu a vida, e só ganhei visibilidade porque sou advogado, porque denunciei. Temos milhões de exemplos. Me sinto injustiçado? Sim. Me sinto indignado? Muito. Mas o fato de eu ser advogado me acalanta porque eu posso pelo menos falar sobre o tema — aponta Marco Antônio.

"Loucuras vintage"
Sobre as manifestações pró-democracia e denominadas antifascistas que ocorreram nas duas últimas semanas, o advogado aponta que esse movimento foi a gota d’água por conta do comportamento do governo federal e dos apoiadores bolsonaristas. Contrário aos protestos — por entender que a luta antirracista precisa ter estratégia e não ser feita no meio da pandemia do novo coronavírus —, Marco Antônio cita preocupação com o que chama de “trabalho de eugenia” e “loucuras vintage”:
— Quando você diz que 70% vão se infectar e alguns vão morrer, esses “alguns” são os pobres que vivem nas grandes periferias e, por consequência, os negros. É uma forma muito cruel e meticulosa de implementar a eugenia no Brasil, usando a pandemia. Eu, mais do que ninguém, sei o quão pesado é o gatilho, o dedo e o peso desse racismo. As bandeiras que tremulam na Avenida Paulista são as mesmas que fazem parte de grupos ligados a esse discurso de supremacia branca e outras loucuras vintage.
Relembre o caso de Marco Antônio
Na manhã de 25 de setembro de 2017, cartazes racistas foram colocados próximo à casa de Marco Antônio, na Região Central de Blumenau. O material foi encontrado por um colega de profissão do advogado, que ainda em setembro registrou um Boletim de Ocorrência. O caso ganhou repercussão após uma publicação feita nas redes sociais.
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Ao todo, sete pessoas já foram identificadas e indiciadas. À colunista Dagmara Spautz, o delegado Lucas Gomes, que cuida do caso, chegou a dizer que um dos suspeitos admitiu ter espalhado os cartazes. O processo corre na 10ª Promotoria de Justiça de Blumenau e, até agora, ninguém foi punido pelos crimes.
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