Confinado em um quarto de UTI, Heron Filipe Porciúncula de Mello, 19 anos, ergueu os olhos, ignorou as dores e a dificuldade de falar e perguntou ao médico:

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– Eu vou morrer?

Ele tinha esperança, mas sabia que a situação era grave. Vinte e quatro horas antes, disparava de dentro de um ônibus em chamas, lutando pela sobrevivência. Heron foi a primeira vítima da segunda onda de atentados que aterrorizou Santa Catarina, no início de fevereiro. Havia acabado de sair da casa da namorada, nos Ingleses, e, como não levaria mais do que 15 minutos para chegar em casa, decidira ir de ônibus. Dois pontos antes do desembarque, porém, viu um vulto parar bem em frente do veículo em movimento. Nas mãos, ele trazia uma arma. Um segundo depois, entrou no ônibus, anunciou um assalto, pegou o dinheiro do cobrador e deu uma coronhada no motorista. Achou que o veículo estivesse vazio. Esperou os dois saírem e ensopou a parte da frente com litros e litros de gasolina.

Sentado no meio do ônibus, Heron viu o fogo se alastrar com violenta rapidez e sentiu o ardor das labaredas invadir os olhos. Pôs o braço em volta deles e, pelos cantos, viu que estava preso: as portas traseiras estavam fechadas e ele não tinha por onde escapar, a não ser atravessando as chamas. Um único pensamento passou pela sua cabeça naquele momento: “Vou morrer”.

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Então, tirou a mochila das costas e correu. Não olhou para trás nem quando sentiu a carteira cair no chão e ser engolida pelas chamas. Ainda com os braços em volta do rosto, pulou a catraca e entrou em meio ao fogo. Quando se viu, de repente, do lado de fora, as canelas e os braços ainda queimavam. Ele tirou a camiseta e apagou as chamas da pele no momento que as janelas do ônibus estouravam. Então, correu até um bar e pediu ajuda.

Agora, deitado na cama de hospital, ele via o tornozelo, as pernas, as mãos e o pescoço enrugados. Os colegas que o visitaram nem sequer o reconheceram deitado na cama: passaram reto, procurando por ele. A mãe também estava lá, vinda de Bagé, no Rio Grande do Sul. E no meio disso tudo, Heron só queria sua vida de volta – nem se importava mais com as marcas.

– Há risco de morrer, sim – respondeu o médico.

Heron, então, entregou sua vida a Deus. E superou os riscos, a perspectiva médica e as lembranças. Ficou quase 20 dias internado. Depois, em casa, foram outros 30 na cama. Mexia-se muito pouco, levantava menos ainda. O corpo doía e o aspecto da pele ainda impressionava. Uma vez visitou o hotel onde trabalha como auxiliar de cozinha, em Jurerê Internacional, e, ao vê-lo com a pele inchada e ainda marcada, o confeiteiro e os cozinheiros se esconderam para chorar.

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Mas a vida, aos poucos, foi retomando o sentido. Heron voltou a caminhar, primeiro com muletas, depois sem elas. Já anda de ônibus sem medo, mas fica sempre atento. Ao trabalho, ele retornou ontem. E daqui a alguns meses, volta a correr atrás dos sonhos, adiados por causa do acidente: vai matricular-se no supletivo para terminar o Ensino Médio e, então, tentar uma vaga na Polícia Militar. Depois de virar vítima da criminalidade, Heron quer dedicar a vida a combatê-la.