*Por Azam Ahmed, Anatoly Kurmanaev, Daniel Politi e Ernesto Londoño
Cidade do México – No fim de março, o governo mexicano previu que seu surto de coronavírus atingiria o pico em abril. Algumas semanas depois, mudou sua previsão para meados de maio. Em seguida, para o fim do mesmo mês. E, então, para junho.
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Agora, com novas infecções surgindo e o governo enfrentando uma revolta crescente, e até mesmo o ridículo, em relação a seu constante trabalho de adivinhação, muitos mexicanos chegaram à sua própria conclusão: ninguém sabe de fato.
“Obviamente, a previsão não é uma garantia de precisão”, reconheceu Hugo López-Gatell, autoridade federal de saúde responsável pela resposta ao vírus no país.
O México, como o resto da América Latina, rapidamente se tornou um foco da pandemia, uma região preocupante para a disseminação de um vírus que ceifou a vida de mais de 460 mil pessoas e infectou mais de nove milhões em todo o mundo.
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Já era sabido que o coronavírus atingiria a América Latina com força. Mesmo antes de sua chegada, especialistas alertaram que a mistura inflamável de desigualdade da região, cidades densamente povoadas, legiões de trabalhadores informais e sistemas de saúde carentes de recursos poderiam minar até mesmo as melhores tentativas de conter a pandemia.
Mas, ao ignorar o perigo, atrapalhar a resposta, descartar orientações científicas ou especializadas, ocultar dados e simplesmente negar completamente a extensão do surto, alguns governos acabaram piorando as coisas.
Meses se passaram desde que a pandemia atingiu a América Latina, mas, ao contrário de partes da Ásia, da Europa e das cidades mais atingidas nos Estados Unidos, o vírus aqui vai ganhando força. Em um mês, as mortes mais do que dobraram na região, que agora é responsável por vários dos piores surtos do mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde.
Nas últimas semanas, o Brasil vem registrando frequentemente o maior número de novas infecções e mortes diárias no mundo – e não mostra sinais de desaceleração. O Peru e o Chile têm agora mais casos per capita do que os Estados Unidos. Os números continuam a subir no México, que recentemente se tornou um dos poucos países a atingir mil mortes ou mais em um único dia.
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Em muitos aspectos, a abordagem vacilante e dispersiva da pandemia em partes da América Latina se assemelha à abordagem desorganizada nos Estados Unidos – com alguns presidentes da região questionando quão perigoso é o vírus, defendendo remédios de eficácia não comprovada, ou até mesmo perigosos, brigando com governadores estaduais e se recusando a usar máscara em público.

E, à medida que o vírus atravessa a América Latina, a corrupção floresceu, a já intensa polarização política em certos países se aprofundou e alguns governos reduziram os direitos civis. Em El Salvador, milhares de pessoas foram presas, muitas por violar as ordens de permanecer em casa, apesar das exigências da Suprema Corte de que as detenções terminassem.
As já sofridas economias antes do vírus estão perto da ruína. Milhões estão desempregados, com milhões a mais em risco. A Organização das Nações Unidas (ONU) disse que a pandemia pode resultar em uma queda de 5,3 por cento na economia regional – a pior em um século –, levando cerca de 16 milhões de pessoas à extrema pobreza.
“Em questão de meses, podemos perder o que ganhamos em 15 anos”, disse Julio Berdegué, representante regional da ONU para a Alimentação e a Agricultura.
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No Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro passou meses minimizando a ameaça do vírus – chamando-o de “gripezinha” e indo contra as quarentenas impostas pelos governadores –, os epidemiologistas afirmam que o número de mortos pode superar o total dos Estados Unidos, e se tornar o maior do mundo até o fim de julho.
No México, onde o presidente Andrés Manuel López Obrador sugeriu que uma consciência limpa ajuda a afastar a infecção – “sem mentiras, sem roubos, sem traição, isso ajuda muito a não contrair o coronavírus”, declarou ele recentemente a repórteres –, o país já conta com três vezes mais mortes do que as autoridades previram no início.
Nem tudo é terrível na região. Nações como o Uruguai e a Costa Rica parecem ter evitado o pior até agora, enquanto uma intervenção quase militar em Cuba deixou a nação insular em melhor posição do que a maioria. Mas, em grande parte da América Latina, o pior ainda pode estar por vir.
A Colômbia está entrando em sua recessão mais dura desde que começaram os registros há mais de 100 anos. A Venezuela está em queda livre. O Equador enfrenta uma crise da dívida e um retorno da agitação social em massa. O Peru passou de projetar o crescimento econômico mais rápido da região para uma de suas piores retrações.
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Em algumas nações sul-americanas, como o Chile e a Colômbia, os casos estão apenas começando a aumentar.
Na Argentina, que impôs medidas rigorosas e bem-sucedidas de quarentena, um novo surto, em grande parte na região metropolitana de Buenos Aires, tem incomodado as autoridades. O número de casos mais do que quadruplicou no último mês, enquanto as mortes mais do que dobraram. “Estamos indo bem por tudo o que fizemos, mas há uma possibilidade real de que o aumento dos casos se transforme em um problema difícil de gerenciar”, disse Ginés González García, ministro da Saúde da Argentina.
A América Latina tem uma vasta gama de políticas, culturas, geografias e histórias distintas. Mas algumas semelhanças podem ajudar a explicar por que, apesar de pelo menos um mês de aviso prévio de que o vírus estava a caminho, muitos países não conseguiram amortecer o golpe.

Em toda a região, estima-se que 53 por cento dos trabalhadores tenham ocupação informal, vendendo alimentos nas ruas, trabalhando em regime de meio período na construção civil ou fazendo faxina na casa de famílias mais ricas. Muitos vivem em partes densamente povoadas das maiores cidades, em bairros onde o saneamento é ruim e o acesso à água potável é limitado. Em geral, não há salários fixos, aposentadorias, seguros nem benefícios.
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Para muitos, aderir à quarentena é morrer de fome. “Se não consigo trabalhar, não consigo comer, é simples assim. Se médicos e especialistas me recomendassem que eu ficasse em casa, eu perguntaria a eles: ‘O que vou comer então?'”, resumiu Mario Muñoz Cruz, engraxate na Cidade do México.
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