O aumento da população em situação de rua que tem despertado preocupação em Florianópolis e outras cidades de Santa Catarina tem diferentes motivações. As razões que levam as pessoas a morar nas ruas vão muito além das drogas, e envolvem muitas vezes abusos, violência e pobreza.

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O crescimento das pessoas em situação de rua vem motivando propostas polêmicas como a internação involuntária em cidades catarinenses, que permitirá a internação a pedido de familiares ou órgãos de assistência social. Em Florianópolis, o projeto da prefeitura que prevê esse tipo de tratamento foi aprovado em votação final nessa segunda-feira (19) na Câmara de Vereadores, e agora irá para sanção do prefeito.

O coordenador do Movimento da População de Rua em Santa Catarina, André Shafer, viveu na pele a experiência de morar na rua sem acesso a casa e trabalho. Hoje, acompanha de perto as dificuldades que ainda acometem essa população.

— Cada sujeito que está na rua tem a sua história. Ele não vem para a rua por causa das drogas, ele vem por um abuso, violência, discriminação, preconceito.

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A professora de Psicologia Daniela Ribeiro Schneider afirma que muitas vezes o abuso de drogas acaba se tornando uma resposta às situações de vulnerabilidade.

— A gente costuma usar uma metáfora de que a droga é só a ponta do iceberg. A forma como o problema aparece, porque há um conjunto de questões que são da história de vida da pessoa, as relações que ela viveu em um contexto que é social, econômico e que interfere nesse problema — explica.

O crescimento da população de rua em cidades como Florianópolis não é uma questão apenas do presente, e muito menos restrita à capital catarinense. É um desafio imposto atualmente às principais cidades do Brasil e do mundo.

Problemas sociais e individualidades influenciam no tema

Segundo a oficial da Organização das Nações Unidas (ONU), Hantamalala Rafalimanana, para entender o aumento da população de rua é preciso olhar para toda a condição de vida das pessoas em vulnerabilidade.

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— Problemas sociais como pobreza crônica, falta de educação, saúde deficiente, perda de empregos e, como dissemos antes, questões de saúde mental, muitas questões que não estão necessariamente relacionadas à habitação. Assim, para nós da ONU, e especialmente no departamento de assuntos econômicos e sociais, insistimos que a questão também deve ter um aspecto social que precisa ser tratado — defende a dirigente.

Segundo ela, olhar para as individualidades também é importante. Prova disso é o fato de que cidades que atenderam necessidades específicas de mulheres, crianças, migrantes, povos originários e outros grupos atingidos por preconceito racial obtiveram mais progresso no controle da população em situação de rua.

A doutoranda em Assistência Social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Daniele Simas Cardoso, afirma que o aumento da população em situação de rua é um fenômeno social, estrutural e multifacetado.

O coordenador do Movimento da População de Rua em Santa Catarina acrescenta outros fatores que contribuem para essa realidade no Brasil.

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— Ela vem lá de trás, de uma má distribuição de terra, desigualdade social. Cada dia tem mais pessoas, a pandemia mostrou isso. As pessoas vêm para a rua pela falta de emprego, aluguel caro, alimento caro. Uma questão social também — pontua.

Maioria dos moradores de rua vêm de outras cidades

A realidade encontrada no dia a dia pelos agentes da prefeitura de Florianópolis confirma os múltiplos fatores que influenciam no aumento da população em situação de rua.

— Nós encontramos pessoas que foram simplesmente abandonadas pelas famílias, pessoas que tiveram uma desilusão, que perderam o emprego. Pessoas que assumem a situação de rua pós pandemia, de uma maneira que ainda se estuda não só em Florianópolis, mas no mundo inteiro — detalha o secretário de Assistência Social de Florianópolis, Leandro Lima.

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Uma pesquisa feita pela prefeitura de Florianópolis em novembro do ano passado buscou mostrar quem são as pessoas que vivem nas ruas. O levantamento contabilizou que 968 pessoas estavam em situação de rua na Capital catarinense. Eram 779 homens e 189 mulheres.

Desse total, 123 declararam que são de Florianópolis e outras 178 vieram de outras cidades catarinenses, enquanto 667 eram naturais de outros Estados.

A voluntária da Rede com Rua, Isabela da Cunha, afirma que Florianópolis recebe muitas pessoas em busca de um trabalho para melhorar a renda e a condição de vida.

— O que acontece é que as pessoas chegam e podem não conseguir ou ter essa dificuldade porque Florianópolis é uma cidade muito cara. Comer é caro, morar é caro. Então a pessoa tem uma dificuldade e às vezes acaba em situação de rua — opina.

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A pesquisa feita em Florianópolis não traçou a quantidade de pessoas que continuam na rua por dependência química ou falta de renda para pagar por uma moradia. A doutoranda em Assistência Social Daniele Simas Cardoso explica que para elaborar políticas públicas, primeiro é preciso entender as causas individuais da vulnerabilidade.

— O que falta de fato é uma pesquisa séria, ética e responsável sobre a população em situação de rua. Ela vai nos dar para além do perfil, vai nos aproximar das reais demandas e necessidades da população — afirma.

A prefeitura de Florianópolis afirma que a pesquisa de novembro teve caráter amostral e buscou um retrato sucinto daquele momento enquanto testava o uso do reconhecimento facial da população em situação de rua. O instrumento de pesquisa está sendo avaliado e aperfeiçoado.

O município diz ainda que compreende a complexidade da situação, mas que conta com a vontade individual das pessoas para que elas deixem as ruas.

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— Nós precisamos desconstruir o cenário que mantém as pessoas na rua. As ruas não são local digno para ninguém morar, temos isso bem claro e por isso ofertamos abrigo. Mas as pessoas precisam fazer esse movimento sabendo que é a reabilitação — defende o secretário de Assistência Social de Florianópolis, Leandro Lima.

A trabalhadora doméstica Kátia Menon, que saiu das ruas há 10 anos, garante que a maioria das pessoas quer deixar aquela realidade.

— Você pode ter certeza que eles querem sair dali. Em algum momento do dia o que eles pedem é sair dali porque é fome, frio, chuva, você está todo molhado de madrugada e tem que ficar embaixo de uma marquise dividindo espaço com outras pessoas, correndo risco de morte. Eu garanto que todos os dias passa na cabeça de quem está na rua que quer sair dali, mas não sabe como — conta.

População de rua motiva ações também em outras cidades de SC

O aumento da população de rua tem motivado ações em Florianópolis e também em outras cidades catarinenses.

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Florianópolis aprovou nesta segunda um projeto com regras para a internação involuntária de dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais em situação de rua. Nesses casos, valerá um pedido da família ou indicação de servidores públicos da assistência social e da saúde para a internação das pessoas.

Em Joinville, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores analisa uma proposta semelhante de internação em unidades de saúde e clínicas quando os recursos hospitalares se esgotarem.

A Câmara Municipal de São José realiza nesta terça (20) uma Reunião Pública para debater o projeto de lei que prevê o Programa de Internação Involuntária de Dependentes Químicos. O encontro para discutir o PL nº 011/2024 está marcado para 16h e a proposta foi enviada ao Legislativo pela prefeitura no dia 6 de fevereiro. A internação será indicada diante da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e se não houver alternativas ao tratamento. De acordo com a prefeitura, o MPSC deverá ser notificado sobre cada internação, e a família ou o representante legal poderão pedir a interrupção do tratamento, que deverá ser, por padrão de até 90 dias, podendo se prolongar se o médico avaliar a necessidade.

Em Blumenau, a Câmara analisa nas comissões um projeto de lei enviado semana passada pela prefeitura para multar quem usa drogas ilícitas nas ruas. Pelo texto, quem aceitar tratamento não recebe multa.

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Em Chapecó, uma operação iniciada há quase dois anos resultou em 307 internações involuntárias até dezembro do ano passado. Segundo o município, pessoas em situação de rua têm sido encaminhadas às cidades de origem e ao mercado de trabalho.

Além disso, em novembro a prefeitura lançou a Operação Asfixia, com objetivo de estrangular o tráfico de drogas pelos usuários. Para isso, tem recolhido pessoas em situação de rua. Na última sexta-feira, 60 pessoas foram levadas para uma triagem, e 16 foram internadas, sendo duas delas involuntariamente. A prefeitura também planeja a construção de uma casa rural para tratamento de pessoas em dependência química.

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