O número de casos de violência contra crianças e adolescentes permanece alarmante na região de Joinville. A Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso tem registrado, em 2015 e 2016, uma vítima a cada dois dias. Somente neste ano, foram 93 denúncias. A maioria, casos de abuso sexual.
Continua depois da publicidade
Em Santa Catarina, no ano passado, 1.006 denúncias chegaram às regionais de polícia do Estado, quase três por dia. Outro sinalizador dessa situação perversa em território catarinense é o Disque 100, o serviço de atendimento telefônico sigiloso e gratuito da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, com sede em Brasília. Em 2015, 1.681 denúncias tiveram origem em Santa Catarina. Um aumento de 19% em relação ao ano anterior.
Tão duro quanto as estatísticas – a estimativa policial é de que, para cada caso denunciado, dez fiquem no anonimato – é saber que o espaço em que isso ocorre se dá exatamente onde as crianças deveriam se sentir mais protegidas: dentro de casa. Cerca de 70% das ocorrências no País são nas residências, seja da vítima ou do agressor.
Ainda que parte dessa realidade permaneça escondida em casa ou velada por supostos acidentes, os dados servem de alerta. Em alguns casos, a crueldade é tanta que as crianças não resistem e morrem. É o que especialistas chamam de violência fatal. Isso aconteceu em 10 de abril com uma menina de três anos em Araquari, vítima de estupro e de traumatismo craniano. A mãe e o companheiro foram acusados pelos crimes de tortura, seguida de morte e estupro de vulnerável. O homem, por execução; a mulher, por omissão.
Continua depois da publicidade
Conforme a delegada Georgia Bastos, Joinville concentra grande parte das denúncias de estupro, maus-tratos, ameaças e aliciamento de crianças e adolescentes da região Norte.
– Nos últimos anos, têm se destacado também os crimes relacionados à divulgação de imagens de cenas pornográficas nas redes sociais. É um crime que percebemos que tem avançado gradativamente – aponta a delegada.
Para mudar essa realidade, o Centro de Estudos e Orientação da Família, uma ONG de Joinville, busca recursos para implementar o Projeto Radar do Bem – que discutirá o assunto em 16 escolas municipais, atingindo cerca de 4.600 alunos. A ideia do projeto surgiu como resposta ao número de ocorrências na cidade e a necessidade de prevenção.
Continua depois da publicidade
Confira mais reportagens na página do Projeto Joinville Que Queremos.
Confira as últimas notícias de Joinville e região.
Essa é uma tarefa difícil, pois o abuso contra crianças costuma ser velado. A estimativa policial é de que 70% das ocorrências no País acontecem dentro da casa da vítima. Portanto, a maioria dos casos é praticada por conhecidos da vítima, e os familiares demoram a perceber os traumas desta estatística dolorosa.
Sem distinção de classe social
A psicóloga do projeto, Eliza Swiech Távora, destaca que essa violência acontece em todas as classes sociais, sendo mais frequente em situações de vulnerabilidade. Por exemplo, quando a criança é deixada sozinha com o agressor e não há quem perceba a mudança de comportamento.
– Os motivos dos abusadores podem ser múltiplos. Eles também precisam de ajuda para romperem o ciclo de violência que estão reproduzindo. E esta também seria uma ação preventiva para reduzir ou cessar o número de casos. Atualmente, poucos procuram ou são encaminhados para o atendimento especializado – diz Eliza.
Continua depois da publicidade
O Projeto Radar do Bem aposta na prevenção como forma de acabar com esses casos, por meio da estratégia de empoderamento das vítimas.
– As vítimas devem entender que aquilo não pode acontecer – orienta.
O projeto foi contemplado pelo edital do Fundo Municipal para Infância e Adolescência. Ele está em fase de captação de recursos, que funciona por meio de dedução do Imposto de Renda. Ou seja, pessoas físicas e jurídicas podem apoiar o projeto e, em contrapartida, o governo abate do imposto. Interessados podem entrar em contato pelo e-mail radardobem@gmail.com.
As vítimas desta estatística dolorosa
Estima-se que seis crianças são espancadas ou mutiladas a cada hora no Brasil. Duas histórias neste ano chamaram a atenção pela violência praticada. No dia 10 de abril, a menina Laura Cardoso, de três anos, morreu por traumatismo craniano. O estupro também foi comprovado. O acusado é o padrasto, Rafael Silva dos Santos, que está preso preventivamente.
Continua depois da publicidade
Em Jaraguá do Sul, um bebê de dez meses morreu, no dia 5 de maio, por suspeita de espancamento. De acordo com a Polícia Militar, uma testemunha informou que teria visto o padrasto, de 30 anos, jogar a criança no chão durante uma discussão com a mãe, de 21 anos.
O bebê foi socorrido pelo Samu e encaminhado ao Hospital Jaraguá, com parada cardiorrespiratória, mas não resistiu. O casal alegou que a criança teria caído da cama, com cerca de um metro de altura. Os exames de tomografia e raio X não apresentaram resultados condizentes com a queda da cama.
O importante é falar do assunto
Afinal, o que leva adultos a bater em crianças?
– Uma naturalização cultural de dimensão transgeracional. Quem apanhou tende a reproduzir o “sistema educacional” que recebeu, sem perceber os efeitos nocivos dessa reprodução.
Continua depois da publicidade
Assim responde o psicólogo João David Cavallazzi Mendonça, especialista em terapia familiar sistêmica e professor-colaborador da Familiare Instituto Sistêmico de Florianópolis.
Para o psicólogo, é oportuno que se reflita sobre o tema da violência na infância.
– A mesma sociedade que conseguiu proibir os escravos de apanhar, que criou leis para defender as mulheres, que já não bate mais nos seus “loucos”, que possui instituições em defesa dos índios, que considera crime a tortura de prisioneiros e que luta contra maus-tratos aos animais vai continuar achando normal e aceitável bater em crianças?
Também existem estudos para investigar a relação de causa e efeito dos maus-tratos. Há quem acredite não ser possível assegurar que criança vítima de violência vá se transformar em um adulto violento:
Continua depois da publicidade
– Não se pode estabelecer uma relação direta quando se fala das consequências de experiências com relações violentas na infância. Porém, apesar de não haver uma linearidade, existem efeitos – observa o psicólogo Paulo Sandrini, professor e coordenador do curso de psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).
Na família, o silêncio pode ocorrer por conivência, entendimento de que é educativo ou por medo. Quando é testemunhada por parentes não tão próximos, amigos da família ou mesmo vizinhos, o motivo pode ser cultural: assim como se dizia antigamente que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, há quem acredite que “é de menino que se torce o pepino”.
Culturalmente, há uma corrente de que os pais devem ter autonomia na educação dos filhos se sobrepondo, inclusive, à garantia de direitos das crianças, e que o Estado não deva interferir.
Continua depois da publicidade
– Está correto dizer que o Estado não pode assumir o lugar dos pais. Entretanto, tem o papel de proteger sujeitos historicamente colocados em situação de desigualdade e que não possuem meios para fazê-lo sozinhos – afirma Vanessa Fonseca, coordenadora de programas do Instituto Promundo.
Sinais de Alerta
COMPORTAMENTO DA CRIANÇA QUE SOFRE VIOLÊNCIA FÍSICA
- Desconfia dos contatos com adultos;
- Está sempre alerta esperando que algo ruim aconteça;
- Tem mudanças severas e frequentes de humor;
- Demonstra receio dos pais (quando é estudante, procura chegar cedo à escola e dela sair bem mais tarde);
- Fica apreensivo quando outras crianças começam a chorar;
- Demonstra comportamentos extremos: agressivo, destrutivo, excessivamente tímido ou passivo, submisso;
- Apresenta dificuldades de aprendizagem não atribuíveis a problemas físicos;
- Revela que está sofrendo violência física.
COMO PERCEBER AS MARCAS DAS AGRESSÕES
- Lesões (hematomas, cortes, queimaduras e fraturas, por exemplo);
- Lesões em diversas partes do corpo, principalmente na região da cabeça e pescoço;
- Lesões em fases diferentes de cicatrização;
- Demora na procura de atendimento médico;
- Lesões circulares no pescoço (estrangulamento);
- Lesões circulares em punhos e tornozelos (amarras);
- Hematomas em áreas normalmente protegidas por roupa;
- Lesões que lembram marcas de objetos (garfo, faca e fivela, por exemplo);
- Queimaduras em formas de objetos (ferro de passar roupa, cigarro e metais aquecidos, por exemplo);
- Falta de cabelo (em decorrência de puxões).
Continua depois da publicidade