Leonel de Moura Brizola teve uma trajetória política que ainda hoje é privilégio de poucos. Foi protagonista da política brasileira em capítulos importantes do país no século 20, mesmo despertando amor e ódio entre apoiadores e adversários. Cunhado do ex-presidente João Goulart, liderou um ato de resistência para garantir o direito de o conterrâneo assumir o cargo quando Jânio Quadros renunciou, em 1961. Foi cassado pela ditadura, exilado e mais tarde se tornou o primeiro e até hoje único eleito para governar dois estados diferentes.

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Na volta das eleições diretas para presidente, liderou campanha que mobilizou o campo da esquerda e quase foi ao segundo turno. A morte de Brizola completa 20 anos nesta sexta-feira, 21 de junho, data que enseja lembranças sobre as participações do engenheiro Leonel na política nacional.

FOTOS: Relembre a trajetória de Leonel Brizola e visitas feitas a SC

Brizola começou a ter papel de destaque na política no fim da década de 1940, com mandatos de deputado e governador gaúcho. Esteve presente no mandato de Vargas e foi determinante na transição entre Jânio Quadros e João Goulart, no início da década de 1960. Atravessou o período do regime militar com o exílio e a reorganização política. Na nova fase democrática, foi governador do Rio Grande do Sul, líder do PT e nome de destaque na corrida presidencial de 1989, a primeira após a volta do voto direto. Em todo esse período, tornou-se conhecido por defender a educação integral, com experiências como o modelo dos Cieps no rio de Janeiro.

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Casamento, comícios e medo de atentado: as passagens de Brizola por SC

A trajetória resultou em admiração de políticos de diferentes campos ideológicos, inclusive em Santa Catarina. Um dos fundadores e principais aliados de Brizola em SC foi Manoel Dias, ex-presidente do PDT no Estado. O dirigente passou dois meses convivendo diariamente com Brizola na época da fundação do PDT e convivia com frequência com o ex-governador no Rio de Janeiro, em função das tarefas na organização do partido. Conta que Brizola lia, linha por linha, todas as atas que chegavam para assinar. Para Manoel, era uma referência em uma época em que na visão dele a juventude era mais aberta à formação política.

— Eu tinha ele num pedestal. Era um homem rebelde, contra injustiças. Fez 6 mil escolas, que eles chamavam de “brizoletas”, no Rio Grande do Sul. Defendia intransigentemente o direito à educação — recorda Manoel Dias, que responde a críticas feitas a Brizola, como problemas no governo do Rio de Janeiro, atribuindo-as a campanhas criadas para desconstruir a imagem do político gaúcho perante o eleitorado.

A trajetória é reconhecida não só por colegas de partido ou políticos do mesmo lado da luta política. O senador Esperidião Amin (PP) define Brizola como uma “enciclopédia política do Brasil do século 20”. Ele conta que o ex-governador gaúcho sempre se lembrava dos episódios históricos e proporcionava conversas “exuberantes”. Embora não estivessem no mesmo campo ideológico, destaca que Brizola costumava ser mais descritivo em relação aos fatos do que crítico.

— Mesmo na hora de criticar, ele não perdia o humor, não transparecia ódio, ressentimento, raiva, sabia ser educado — recorda o senador catarinense.

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Amin lembra conversas políticas que teve com Brizola em uma das residências oficiais do governo carioca, na Ilha de Brocoió, no Rio de Janeiro, e em restaurantes em Brasília.

— Era sempre muito cordial, bem-humorado, uma espécie de Maquiavel dos Pampas — conta ele.

A deputada estadual Paulinha (Podemos) trabalhou diretamente com Brizola no Rio de Janeiro quando integrava a Juventude do PDT. Afirma que o ex-governador era um revolucionário e cita dois substantivos usados nas campanhas de Brizola para definir o político gaúcho: coragem e coerência.

— Era um homem muito duro, mas fraterno, que não perdeu o olhar para os mais pobres, tinha esse fascínio pela educação, para ele era algo inegociável — recorda.

O ex-governador e ex-senador Leonel Pavan, hoje no PSD, iniciou a trajetória política no PDT. Um dia após a morte de Brizola, em 2004, na tribuna do Senado, contou que recebeu o nome de Leonel como uma homenagem do pai ao ex-governador gaúcho. Na ocasião, admitiu que o político havia sido uma referência para ele até aquela data.

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Veja fotos da trajetória de Brizola e visitas a SC

A infância no Rio Grande do Sul

Nascido em Carazinho, no Noroeste do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola perdeu o pai com apenas 1 ano, morto em um confronto militar entre republicanos e federalistas. Alfabetizado pela mãe, morou com a irmã em Passo Fundo para começar os estudos. Foi abrigado pela família de um pastor metodista, o que o permitiu continuar na escola.

Aos 14 anos, mudou-se para Porto Alegre, onde conseguiu vaga em uma escola agrícola. Na capital gaúcha trabalhou como engraxate, ascensorista, vendedor de jornais, carregador de malas. Mais tarde, conseguiu entrar no curso de Engenharia Civil. Foi na faculdade que começou a ter contato com o getulismo e o universo político, que o acompanharia por toda a vida.

Brizola elegeu-se deputado estadual em 1946, com o apoio de estudantes e na condição de um dos mais votados do Estado. Foi reeleito na eleição seguinte e tornou-se deputado federal em 1954. Nesse período, conheceu e casou-se com Neusa Goulart, irmã de João Goulart, que mais tarde viria a ser vice-presidente do Brasil na chapa liderada por Jânio Quadros.

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Brizola teve papel de destaque na política nacional ao liderar a chamada “Campanha da Legalidade”. Em 1961, após Jânio Quadros renunciar à Presidência, os militares ensaiaram impedir que o vice, João Goulart, o “Jango”, cunhado de Brizola e companheiro de PTB, o partido trabalhista da época, assumisse o cargo para completar o mandato. A defesa era por novas eleições, em gesto visto como tentativa de golpe de Estado. Brizola resistiu ao movimento. Governador do Rio Grande do Sul à época, formou uma rede de rádio a partir do Palácio Piratini, conseguiu o apoio de militares gaúchos e mobilizou a própria população, que chegou a empunhar armas e se reunir para garantir que “Jango” pudesse assumir.

O clima de iminente guerra civil foi rompido com uma negociação que permitiu a posse de João Goulart, mas no modelo parlamentarista, com poderes limitados e divididos com um primeiro-ministro. Na prática, a rede da legalidade impediu a tentativa de golpe militar. A experiência fez com que Brizola começasse a alimentar o desejo de concorrer à presidência. Mas o regime militar veio a se concretizar antes disso, em outro contexto, em 1964.

Exílio no Uruguai e criação do PDT

Após a instalação do regime militar, Brizola, que à época já era deputado federal, perdeu o mandato e deixou o Brasil para não ser preso pelos opositores políticos. Exilou-se no Uruguai, onde teria tentado articular ações de resistência política no Brasil. Mais tarde, refugiou-se nos Estados Unidos e em Portugal. Neste último país, iniciou uma mobilização para refundar o PTB, mirando a abertura política no Brasil.

De volta ao país, Brizola tentou registrar novamente o partido, mas teve a sigla concedida a outro grupo político, da ex-deputada Ivete Vargas, sobrinha-neta do ex-presidente, mas adversária política de Brizola. Com isso, os trabalhistas e brizolistas se organizaram politicamente criando outra sigla, o Partido Democrático Trabalhista (PDT).

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Por esse partido e com a volta das eleições diretas para governos estaduais, Brizola candidatou-se a governador do Rio de Janeiro, em 1982. Após uma apuração de votos conturbada e que foi parar na Justiça, no chamado Caso Proconsult, venceu a eleição, tornando-se o primeiro brasileiro até hoje a ser eleito para governar dois estados diferentes.

Brizola governador do RJ

Nos quatro anos à frente do RJ, teve uma gestão controversa. É elogiada por defensores por ações como a criação dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), formatos de escola em tempo integral que oferecia refeições, médicos, dentistas e acolhimento. As escolas não tiveram continuidade nas décadas seguintes e se tornaram escolas convencionais, mas são até hoje conhecidas como Brizolões no RJ. Os Cieps, assim como escolas criadas nas gestões de Brizola no Rio Grande do Sul (chamadas de brizoletas) foram marcas do político que se tornou conhecido por uma defesa enfática da educação. Costumava citar a própria trajetória pessoal como exemplo de mudança que o ensino de qualidade era capaz de proporcionar.

A gestão no Rio de Janeiro, no entanto, também rendeu críticas de opositores de Brizola. Decisões como a proibição de operações policiais em comunidades cariocas, a fim de evitar abusos e invasões de moradias por policiais, são apontadas até hoje como possíveis razões para o aumento da violência nos morros do RJ. A relação era desmentida pelo político gaúcho quando era questionado sobre o tema em entrevistas.

Brizola candidato a presidente

Em 1989, na primeira eleição presidencial após a volta da democracia, Brizola foi candidato e terminou em terceiro lugar. Ficou de fora do segundo turno por uma diferença de 450 mil votos em relação a Lula (PT), que disputou com Collor a segunda volta das eleições presidenciais.

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Em Santa Catarina, Brizola foi o candidato mais votado nas eleições de 1989, com 26% dos votos. As bandeiras populares e o fato de ser do estado vizinho, Rio Grande do Sul, são apontados como fatores que estimularam o voto no trabalhista na ocasião.

Após a derrota em 1989, Brizola voltou a ser governador do Rio de Janeiro entre 1991 e 1994. Nesse período, questões como a organização da Eco 92 no Rio resultaram em uma aproximação com o presidente Fernando Collor. O contato permitiu que o modelo de escola integral defendido por Brizola inspirasse um projeto semelhante na gestão Collor, com os chamados Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caics), mas também rendeu desgaste político por criticar a CPI e a tentativa de impeachment de Collor em um momento que o ex-presidente já sofria com a desaprovação do eleitorado.

Brizola concorreu novamente à presidência em 1994, mas terminou em quinto lugar, com 2% dos votos. Naquele ano, o catarinense Esperidião Amin (à época PPR) também disputou a Presidência da República, ficando logo atrás, em sexto lugar.

Em 1998, Brizola aceitou ser candidato a vice na chapa de Lula, em uma aliança da esquerda. Mesmo assim, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conseguiu a reeleição ainda em primeiro turno, no primeiro ano em que a recondução foi permitida pela legislação eleitoral.

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Brizola ainda teve uma candidatura à prefeitura do Rio e ao Senado pela frente, mas nos últimos anos ficou mais restrito à atuação partidária à frente do PDT. Mobilizou críticas aos primeiros anos de mandato de Lula na presidência e chegou a anunciar a saída do partido da base de apoio do governo petista.

Morte aos 82 anos, em 2004

Em 21 de junho de 2004, aos 82 anos, Brizola morreu vítima de insuficiência pulmonar seguida de infarto, em um hospital do Rio de Janeiro. O corpo foi velado no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, e sepultado em São Borja, no mesmo cemitério em que estão Getúlio Vargas e João Goulart. Foi considerado um dos principais líderes do trabalhismo e da esquerda popular. Teve três filhos com Neusa Goulart, todos mortos entre 2011 e 2017. Netos de Brizola, no entanto, seguiram carreira na política, como Juliana Brizola, deputada estadual do Rio Grande do Sul, e Brizola Neto, ex-deputado federal e ex-ministro do Trabalho do governo Dilma.

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