Quem nunca viu um morador de rua que, apesar das vestimentas aos trapos, é mais lembrado por seu sorriso inconfundível e olhar cativante quando dá as caras nas esquinas do Centro de Joinville? Essa aparência particular, somada a uma cicatriz de longa data e a uma fotografia premiada, foram as senhas que podem encurtar uma distância de duas décadas.
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Quando viram a foto do andarilho publicada na coluna Orelhada, de “AN”, membros de uma família de Curitiba não tiveram dúvidas de que aquele rosto era conhecido. Restava encontrá-lo pessoalmente para terem certeza de que a figura popular em Joinville é José, o Déca, filho de dona Neusa que desapareceu há 20 anos na capital paranaense.
– Quando eu vi a foto, veio aquela alegria, sabe? Muita emoção. É meu filho, tive certeza na hora – conta a aposentada Neusa Francisca dos Santos, 69 anos.
Chamado provisoriamente de Adriano por servidores da Assistência Social em Joinville, Neusa acredita que o andarilho na verdade é José Antônio dos Santos, 42 anos, filho do meio de uma família de sete irmãos – dois homens e cinco mulheres.
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A ponte para o reencontro foi feita por uma amiga de infância de Déca, a dona de casa Rosicleia Leme, de 42 anos. Ela também morava em Curitiba, mas mudou-se com o marido para Joinville há três meses.
Dias atrás, ela reconheceu o andarilho dentro de um ônibus. Os traços do rosto, uma cicatriz pequena perto do olho e o jeito de andar a lembraram do jovem desaparecido em Curitiba.
Depois, quando viu a foto no jornal, Rosicleia a enviou pela internet para Neusa, de quem era vizinha – a imagem é de autoria da fotógrafa joinvilense Ana Paula Petronilho e foi vencedora do Concurso Cultural Sua Foto, promovido pela revista National Geographic Brasil.
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Imagem que venceu concurso é da fotógrafa joinvilense Ana Paula Petronilho
Família traz certidão a Joinville
A provável família do andarilho trouxe na terça-feira a Joinville uma certidão de nascimento que seria dele. Ela é importante para a chamada ação de interdição com pedido de curatela, que será ajuizada para garantir o direito dos parentes de cuidarem do morador de rua se os vínculos forem confirmados.
Os trâmites são acompanhados pelo Centro Pop-Porto Seguro, unidade da Assistência Social que ajuda os moradores de rua e acompanha o andarilho há três anos em Joinville. Defensoria Pública e Ministério Público em Joinville foram mobilizados para verificar o caso. No entanto, é possível que a família tenha de acionar os mesmos órgãos no Paraná para que a Justiça avalie a possibilidade de autorizar a ação de interdição.
A intenção da família em Curitiba é garantir maior atenção e dignidade nos cuidados dele no Paraná.
No primeiro contato, pouca aproximação
Neusa dos Santos e a filha Raquel dos Santos, 32 anos, vieram a Joinville na segunda-feira passada. Encontraram o andarilho perto do rio Cachoeira, mas a cena não teve abraços calorosos. Nem mãe nem irmã foram reconhecidas.
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– Perguntamos se ele lembrava de nós, se lembrava de Curitiba. Só respondia “não, senhora”. Sabemos que vai ser difícil essa reaproximação – conta Raquel, a provável irmã.
A incapacidade de lembrar das pessoas é confirmada pela Assistência Social em Joinville. Os registros indicam que ele esquece dos servidores de um dia para outro, numa espécie de amnésia. Não há evidências de uso de álcool ou drogas.
O coordenador do Centro Pop-Porto Seguro, Jucélio Manoel Narciza, diz que a esperada confirmação judicial dos vínculos seria a melhor alternativa para que o morador de rua tenha a atenção necessária. Jucélio ressalta que o caso é considerado de saúde mental e não condiz com as situações mais comuns de assistência social.
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– Sempre o acompanhamos sem necessidade de intervenção porque ele é amigável, não representa um risco. Mas a memória dele é momentânea, dificilmente se lembra de alguém.
Déca costuma percorrer as ruas do Príncipe, 9 de Março, Jerônimo Coelho, no Centro de Joinville, além das avenidas Getúlio Vargas e Beira-rio.