As restrições impostas pela pandemia de coronavírus provocaram mudanças nos hábitos dos brasileiros em diferentes áreas. Com o consumo de bebidas alcoólicas não foi diferente. O isolamento social restringiu o funcionamento de restaurantes e bares e aumentou as compras pela internet. O clima mais frio e o consumo em casa levou o vinho a ganhar o status de bebida da quarentena.
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As vendas de vinhos brasileiros aumentaram mais de 50% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período em 2019. A importação de vinhos e espumantes fechou com acréscimo de 7,8% nos primeiros seis meses de 2020. As informações foram compiladas e analisadas pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS), com base nos dados do Cadastro Vinícola. Para o presidente da ABS-RS, Orestes de Andrade Jr, os números comprovam que o vinho é a bebida da quarentena.
– As pessoas ficaram mais em casa e escolheram como companhia uma bebida essencialmente sociável e que faz bem pra saúde, se consumida com moderação – avalia Andrade Jr.
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A preferência pelos rótulos nacionais, especialmente do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, se deve à valorização dos produtos locais (ou nacionais, no caso) e maior oferta e disponibilidade, já que os importados sofreram com o dólar alto e problemas de logística. Essa mudança de hábito relacionada aos vinhos nacionais foi sentida pelo sócio da vinícola Casal Piccoli, localizada em Pinheiro Preto, Oeste de SC, Edgar Ermídio Piccoli, que também é vice-presidente do Sindivinho. Em março, no início da pandemia, a empresa foi obrigada a parar durante 25 dias, o que prejudicou o trabalho. Entretanto, os meses de maio, junho e julho, período do ano em que o vinho naturalmente tem maior saída, por conta do frio, trouxeram o aumento nas vendas.
– Além disso, a impossibilidade da entrada de vinhos importados no país fez com que os brasileiros dessem uma chance aos vinhos nacionais e por isso notamos um aumento significativo nas vendas de nossos vinhos finos. Os vinhos brasileiros têm tanto potencial, ou mais, que os importados. Normalmente a concorrência entre eles é no preço, devido às altas tributações colocadas no vinho nacional, o que torna o produto menos atrativo aos olhos do consumidor – conta Piccoli.
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Para a presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de Santa Catarina, Rossela Ceni, é preciso valorizar a produção nacional e ter cuidado com os importados muito baratos.
– Se lhe entregam um vinho muito barato, essa conta foi paga com baixa qualidade do que está dentro da garrafa: baixa concentração, excesso de conservantes e dores de cabeça. Se o consumidor não tem muito conhecimento sobre regiões produtoras do mundo, sugiro provar vinho nacional. Tem muita qualidade sendo entregue a preço justo e, além disso, o vinho viaja pouco e sofre menos com armazenamento. Atentem para a Campanha Gaúcha, para a Altitude Catarinense, além da já consagrada Serra Gaúcha – pondera Rossela.
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Vendas pela internet foram a solução
O aumento nas vendas on-line fez com que Edgar criasse novas ferramentas para atender a demanda do consumidor.
– Consumidores de muitas áreas do Brasil que ainda não têm nossos produtos em lojas e supermercados, ou simplesmente pelo fato do isolamento, passaram a comprar diretamente da indústria e recebem em casa, o que fez com que nossas vendas on-line aumentassem significativamente. Pensando nisso, lançamos uma loja virtual, onde o cliente pode adquirir qualquer produto a partir de uma unidade, recebendo em casa pelos Correios. Esperamos que isso satisfaça nossos consumidores e aumente nossas vendas nesse e nos demais períodos do ano – conta ele.
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O presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Deunir Argenta, diz que ficou surpreso positivamente com o resultado expressivo na comercialização de vinhos brasileiros este ano. Na avaliação dele, as vinícolas tiveram uma resposta ágil na pandemia.
– Vendemos mais porque as vinícolas se mexeram rápido e passaram a vender pela internet. A média de aumento das vendas on-line é de 80%. E quem não comercializava pelo site, passou a fazê-lo – analisa ele.
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Quem também sentiu essa mudança no hábito do consumidor foi Eduardo Bassetti, proprietário da vinícola Villaggio Bassetti, de São Joaquim. As vendas pela internet representavam cerca de 10% do total, hoje representam 40%. Além do aumento da comercialização on-line, houve uma queda nas vendas para lojas, bares e restaurantes. Bassetti acredita que essa nova realidade fará com que o consumidor valorize mais os produtos elaborados perto da região de origem.
– Com a restrição às viagens de avião, ônibus e vans, os clientes viajam mais perto de casa, conhecendo lugares e produtos que não valorizavam antes. E vai se acostumar a comprar pela internet, recebendo os produtos escolhidos na tranquilidade de sua casa. São produtos que conheceu e aprendeu a gostar neste momento de reclusão – comenta.
Um canal de vendas por aplicativo foi a solução criada pela Vinícola Monte Agudo, localizada em São Joaquim, na Serra Catarinense, para driblar a situação. O enoturismo desempenha um papel importante na manutenção da empresa e as promoções foram o jeito para ajudar nos custos fixos.
– Imediatamente criamos um canal de vendas e lançamos promoções para induzir a compra de vinhos em caixas ao invés de somente garrafas. Hoje atendemos turistas com pouco menos de 50% de nossa capacidade física por causa do afastamento das mesas, mas têm muitos turistas, ou seja, bastante movimento todo final de semana – conta Patricia Rojas Ferraz, diretora comercial da empresa.
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A expectativa é que o movimento se mantenha, já que setembro, outubro, novembro, dezembro e parte de janeiro, são meses de baixa.
– Esperamos que o fluxo seja mantido e que possamos continuar atendendo mesmo que somente com metade do salão. A pandemia nos pegou no mês de março que é quando fazíamos uma certa gordura financeira já que é quando há maior movimento, pois tínhamos a festa da Vindima no município, quando as parreiras estão lindas, cheias de uvas – conclui ela.
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Produção catarinense
Segundo estado processador de uvas no Brasil e quarto em área de produção, Santa Catarina se destaca pela produção de vinho em diferentes regiões. De acordo com o pesquisador em Enologia da Estação Experimental da Epagri em Videira e professor da Unoesc, Vinícius Caliari, cada região produtora tem particularidades. O Vale do Rio do Peixe, no Meio-Oeste, a Região Carbonífera no Sul do Estado, e os vales da uva Goethe, são as regiões mais antigas e tradicionais. As regiões de altitude são mais recentes.
– O que tem diferenciado bastante são os vinhos de altitude, que apresentam em geral elevadas concentrações de compostos fenólicos nos tintos, o que atribui colorações intensas e sabor particular, distinguindo-os de outros vinhos do Brasil. Nos brancos as características também são bastante expressivas, com notas aromáticas e diferenciadas – explica Caliari.
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Rossela também cita os vinhos de altitude como um destaque estadual:
– A extensa região produz vinhos finos, marcados por peculiar elegância, obtida num ciclo de maturação mais longo, sob temperaturas amenas e marcadas por amplitudes entre o dia e a noite. A uva branca, que de especial destaque é a Sauvignon Blanc, muito bem adaptada na região, produzindo vinhos delicados, refrescantes e equilibrados em aromas de frutas como maracujá e os cítricos, além de um perfil herbáceo delicioso. Entre as tintas as italianas Sangiovese e Montepulciano vêm se consolidando como uma marca da região, além das clássicas Pinot Noir, Merlot e Cabernet Sauvignon. Os Vinhos de Altitude fazem bonito em qualquer mesa e ocasião.