“A greve é política” foi a frase que mais ouvimos nas últimas semanas em Blumenau. E poderia ser diferente? Meu amigo Houaiss explica que a política significa, entre outras coisas, “a habilidade no relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados”. Uma greve não seria isto, uma estratégia para negociar um consenso?
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Sabemos, porém, que a frase, repetida à boca larga, dá à política uma conotação que esta jamais deveria ter, ou seja, de coisa suja, prática vil. Transformamos a política em atividade menor, penduricalho sem brilho de uma sociedade sem utopia. O mesmo vale para o entendimento de muitos a respeito da greve. No discurso do senso comum, faz greve o vagabundo, o arruaceiro, em detrimento ao discurso do trabalho, sempre visto como positivo. Neste sentido, vale lembrar a máxima “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta), impressa sobre o portão do campo de concentração nazista, em Auschwitz, na Polônia. Qual o sentido de liberdade dado ao trabalho pelos nazistas em um campo de concentração? O que significava o trabalho para os prisioneiros deste mesmo campo?
Costumo dizer que só faz greve quem trabalha. Vagabundo não faz greve, até porque greve dá muito trabalho. Estar em greve é pôr à prova a resistência física, psicológica e emocional. É expor a vida privada, o rosto e a moral ao julgamento alheio, como aconteceu com muitos dos servidores públicos municipais de Blumenau, cidadãos dedicados, que educam nossos filhos, aliviam nossas dores, e foram, por diversas vezes nestes últimos dias, acusados de não cumprir com suas obrigações, de não quererem compreender as dificuldades do município. Nossos servidores foram, ali na cepa da figueira, a Geni cantada por Chico Buarque, aquela que “é feita pra apanhar/ é boa de cuspir”.
Muitos que vociferaram contra os servidores, lançando-lhes palavras-pedras, voltam agora a entregar seus filhos e seus corpos aos seus cuidados. A greve acabou, claro. O desejo de todo trabalhador quando entra em greve é que esta acabe o quanto antes. E ela só acabou porque a sociedade, em dado momento, compreendeu seu verdadeiro sentido político. Quando pais de alunos e usuários do sistema público de saúde resolveram pressionar a administração municipal, exigindo que esta negociasse com os trabalhadores. Isto é política, isto é construir consensos. Não fosse esta mobilização social, e possivelmente a intransigência ainda estaria instalada.
Toda greve é política e didática. Oxalá tenhamos aprendido algo com ela.
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