Está lá na Bíblia, livro de Mateus, capítulo 22, versículo 21: “dai a Cesar o que é de Cesar”. Eis a resposta do Cristo bíblico aos fariseus. O barbudo de sandálias gostava das parábolas, ou seja, falava por comparação. Por isso, quando advertia que se desse ao imperador romano aquilo que a ele pertencia, não se referia apenas a César, mas ao Estado, tornando-se assim o primeiro a defender a separação entre fé e governo, Igreja e Estado.
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O amigo leitor e a amiga leitora provavelmente já devem ter atentado para aquilo que me motivou a começar esta coluna recorrendo ao evangelista. Afinal, o processo eleitoral está aí repleto de líderes religiosos clamando por votos. Até aí tudo bem. Pregar a fé não deve ser impeditivo para alguém se candidatar. Afinal, estamos tentando amadurecer nossa frágil democracia, e para tanto há de se dar voz e ouvidos a todos (a distribuição de tampões auriculares pelo SUS, em alguns casos, também seria bem-vinda).
Outra coisa, entretanto, é usar dos templos e dos rituais religiosos para favorecer campanhas eleitorais e constranger comunidades ligadas pela fé a votar no candidato que supostamente representa os interesses da religião. Esta prática representa verdadeira heresia na medida em que subverte o dito por Cristo, retirando de César aquilo que seria do seu domínio e transferindo-o para o domínio do sagrado, significando um risco não apenas à democracia e à existência do Estado laico, mas à própria garantia da pluralidade religiosa e da liberdade de culto.
Vale lembrar que a Constituição brasileira, ao garantir a liberdade de fé e culto, não autorizou as igrejas a praticar proselitismo político. Entretanto, a prática é escandalosamente recorrente em cada processo eleitoral. Candidatos usando do púlpito para convencer eleitores, símbolos religiosos invadindo o horário político no rádio e na televisão, trechos da Bíblia dividindo espaço com propostas de governo no marketing eleitoral, placas de candidatos afixados às paredes e nos terrenos de templos. Uma imoralidade!
Da mesma forma como se exige que servidores públicos se afastem do cargo para disputar cargos eletivos, e se proíbe que repartições de Estado ostentem propaganda político-partidária, também as igrejas deveriam estar proibidas por força de lei a financiar e favorecer candidatos e campanhas.
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Quem sabe, assim, teríamos um debate político menos imaturo, e as igrejas dedicadas a dar a Deus o que a Deus pertence, conforme ensinou aquele barbudo de sandálias que há mais de dois mil anos já sabia das coisas.