O lado pai de Gustavo Kuerten chama atenção, assim como o carisma na hora de tratar crianças e adultos que andavam em volta dele pedindo uma foto, um abraço ou a retribuição de um sorriso. O ex-tenista segue tão popular como na época que faturou três edições de Roland Garros e se tornou o número 1 do mundo ao vencer o Masters Cup em Portugal. Os menores, por sinal, nunca viram ele jogar ao vivo, mas o idolatram.
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E esse fascínio que as pessoas ainda possuem aumenta ainda mais durante a Semana Guga Kuerten de tênis, disputada em outubro em Jurerê. Por conta do evento, que também organiza competições em diversos níveis, o interesse em aprender com o ex-tenista é grande. E ele faz questão de ensinar.
Como você faz para lidar e dar atenção para as crianças, sendo que boa parte delas nunca te viu jogar a não ser através do vídeo? É tranquilo esse relacionamento?
É muito natural lidar com essa garotada, eles são bem espontâneos. A gente tem essa proposta de mostrar sempre algo positivo, cultivar lembranças boas. O esporte e o tênis, em específico, trazem duas hipóteses: um ganha e o outro é derrotado, mas durante os anos a gente percebe que os meninos entendem que todos saem vitoriosos, que é importante também valorizar o outro cara que fez melhor para se dedicar um pouco mais nos detalhes, voltar pra dentro da quadra e enfrentar as horas de treino com os professores.
No final das contas, é também doído às vezes, delicado. Eles estão vinculados e essa experiência com muita profundidade. Eles são os mais autênticos possíveis, como um que me abraçou cinco vezes e quando eu olho para o lado é ele de novo. Aí outros já chegam com o espírito mais competitivo, querendo saber detalhes da carreira, como funciona, treinamento.
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O que a gente tenta é dar o máximo de oportunidades, experiências pra eles vivenciarem e também perceberem que tudo termina com a mesma equação: esforço, dedicação e empenho. Cada vez mais que esse canal for através do amor, do carinho, da paixão, dessa que supera a capacidade física tende a funcionar melhor, a eternizar pra dentro e pra fora das quadras.
Como não frustrar a grande maioria dos jovens que pretendem ser tenista?
Aqui a gente tem 1,8 mil tenistas a cada ano, nessa quantidade, se 10 ou 12 forem profissionais é muito. O que nós precisamos é abraçar a todos, cultivar essa esperança de que o potencial existe em qualquer tipo de pretensão. Ir lá dentro e sair derrotado não quer dizer que é melhor ou pior que ninguém, é uma experiência que precisa ser transformada em algo positivo. Para as crianças, principalmente, é doído perder, par ou ímpar eles querem ganhar e lá em casa eu percebo isso todos os dias. E por isso (o esporte) é uma ferramenta tão boa de ensino, ninguém vai conseguir dar de presente uma vitória ali, a não ser o treino, a dedicação, o suporte da família, do treinador, dos incentivos que possuem ao redor, mas vai depender deles na medida certa.
E os que já querem logo ir longe? Como foi com você?
A gente deixa bem claro que seis, oito, 10, 12 anos é muito cedo pra pensar em Roland Garros, é hora de se divertir, se lambuzar. A gente nem sabia o que era tênis profissional, queria ser o melhor da cidade, do Estado. Com 14 anos talvez eu pensava em estar entre os melhores do Brasil nessa idade, e eu nunca fui. As crianças precisam e merecem ser bem atendidas, e a gente aqui nessa garotada é mais simples e natural tratar com eles, mas com os pais a gente precisa ir mais profundo, transmitir um pouco mais detalhado esses valores e tendências que são realmente os focos principais de atenção e apostar em boas decisões. As crianças são influenciadas e quase que predestinadas a viver conforme muitas orientações dos pais.
Eu tive todos os movimentos favoráveis, pelo menos oportunos na minha vida até os 14 anos, eu não tomava as grandes decisões, mesmo que nas quadras fosse o principal responsável pelas minhas vitórias e pelas derrotas. Esse suporte é fundamental porque a dinâmica do dia a dia é tão avassaladora… e como pai percebo que isso requer uma disciplina, uma atenção especial para cuidar com carinho.
Dava para imaginar no começo o tamanho que a Semana Guga teria?
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Disparamos numa dimensão que era impossível de prever e superou todas as expectativas. Hoje é mais do que o tênis, é mexer com o ímpeto de cada um que aparece aqui. Esse ano o recorde do mais jovem que apareceu tinha um mês e 20 dias, e sempre vem uma bisavó, um bisavô de 90 e poucos. O esporte já está na nossa mão, o tênis, a história foi feita também, então tem um enredo fascinante e trazer para as pessoas que aqui dentro é o lugar da esperança. É possível acreditar em qualquer sonho. A frase do Ayrton (Senna) lá: "nunca desista".
De um jeito ou de outro vai dar certo, do mais rico ao mais pobre, mas tem que acreditar muito, querer demais, se dedicar por completo. Essa missão que nós vamos levando para as crianças e facilita pelo fato de ser divertido.
Teve alguma pergunta que nunca te fizeram?
É bom que aqui todos os dias eu tive a oportunidade de dizer isso, é mais fácil transmitir essas ideias quando um momento desses acontece. Não sou eu simplesmente o Guga que tá falando, é toda essa emoção, o canal de energia que está aqui que se transforma, num olhar, num brilho das pessoas que estão envolvidas pra chegar a esse encontro. Faz sentido vir aqui e tentar um pouco mais. Alcançar esse gostinho de que é emocionante, do toque que vale a pena, aí pode ir pra casa após mais um dia de celebração que a vida está presente. É muito mais simples do que parece. Talvez a pergunta que apareça aí ao longo do tempo seja nesse sentido, de pureza, simplicidade que as crianças traduzem muito bem.
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