Tony Vieira fala português, mas parece pronunciar as palavras em italiano. O brasileiro com sotaque estrangeiro me fez perceber que se tratava de alguém que mora há muito tempo no exterior. Eu estava certa. Tony me contou que era início dos anos 2000, quando a Itália com um déficit de profissionais da saúde, se abriu para imigrantes. Aqui no Brasil, recém formado em enfermagem pela UFSC, Tony viu uma oportunidade. De lá pra cá já são 17 anos morando em Veneza.

Continua depois da publicidade

veneza
O vazio dentro do transporte. (Foto: Arquivo Pessoal )

Minha despretensiosa intenção de escrever pequenos textos sobre como o coronavírus mudou os planos das pessoas, até me pareceu irrelevante diante da história de alguém como Tony que trabalha dentro de um hospital no epicentro da pandemia. Afinal, no caso dele não são planos afetados, são vidas. “É uma tristeza! Uma igreja aqui perto da minha casa está com 100, 150 corpos lacrados porque tem fila para cremação”, lamenta. Mesmo para quem, de certa forma, se acostumou a lidar com a morte, se espanta ao ver tantas vidas indo embora de uma vez.

Veneza
(Foto: Arquivo Pessoal )

​Em site especial, saiba tudo sobre o coronavírus

Na ala em que Tony trabalha estão pacientes centenários. Italianos que (sobre)viveram a guerras mundiais e, certamente, não imaginariam que no fim da vida travariam uma batalha com um inimigo tão pequeno, mas tão poderoso.

O trajeto até o Ospedale Fatebenefratelli é silencioso, pela janela vê o vazio. Tony costuma ser o único passageiro. Quando chega no local de trabalho sente falta do simples ato de vestir o uniforme. “Agora tem que colocar proteção para o cabelo, colocar máscara, duas luvas, avental e a proteção para os sapatos”, conta. O expediente tem hora para começar, mas não dá para saber quando termina. “Se o colega que deveria trocar o plantão contigo não vier, você tem que continuar trabalhando por ele. Então, você sabe que vai, mas nunca sabe quando vai voltar”, desabafa.

veneza
(Foto: Arquivo Pessoal )

No final da nossa conversa, já habituada ao sotaque peculiar de Tony, outro detalhe em sua voz falou mais alto. Ela era forte, mas em volume baixo. Não como quando se sussurra, mas quando se está carregada de pesar, tristeza e luto.

Continua depois da publicidade