Em época de Olimpíada, o Brasil para quando os judocas entram no tatame. No entanto, antes de chegar ao auge do esporte, os atletas precisam percorrer um árduo caminho.
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O DC aproveitou a semana de treinos da Seleção Brasileira Sub-21, que se preparou em São José para o Mundial da categoria, para entrar no universo do judô.
São seis histórias que exemplificam como é a vida de um judoca. Nomes consolidados, jovens promessas, treinadores consagrados – todos trilharam um rumo que culminou no judô. Embora cada caminho tenha suas peculiaridades, todos eles têm algumas características em comum, como superação, respeito, viagens e privações
Felipe Kitadai , o sonho de menino
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Felipe Kitadai soube aos sete anos que queria ser um judoca. Os Jogos de Atlanta encantaram o menino, que pediu ajuda ao pai para se tornar um atleta. Com apoio da família e muita determinação, o sonho se concretizou em 2012.

Se você cruzar com Felipe Kitadai na rua, dificilmente se dará conta de que acabou de passar por um medalhista olímpico. Olhos puxados da descendência japonesa, 24 anos, 1m64cm, cerca de 60 kg – biótipo típico de um universitário ou de alguém que está começando em uma empresa. Mas não. Trata-se de um dos melhores judocas do país, bronze em Londres-2012 e esperança para o Rio-2016. O que o diferencia dos tantos jovens cujas fisionomias lembra? Sempre ter sabido o que queria da vida.
– Em 1996, quando tinha sete anos, eu assisti aos Jogos de Atlanta. Falei para o meu pai que era aquilo que eu queria. Ele disse que precisaria treinar muito e fazer o que ele dissesse para chegar lá. Falei que não tinha problema. Então ele começou a me levar para treinar todos os dias. Assim foi crescendo a vontade e a brincadeira virou um esporte.
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Mais que um esporte, a “brincadeira” se tornou uma forma de viver. Ao invés de se distrair no videogame ou jogando bola, como os adolescentes costumam fazer, Kitadai passava suas tardes e noites no tatame. Aos 14 anos, deixou a casa dos país na capital paulista para morar no Projeto Futuro, um dos principais centros de formação de judocas no país, localizado no Ginásio do Ibirapuera.
– Não precisava sair de casa, foi uma decisão minha. O mais difícil foi falar para os meus pais. Quem sai de casa com 14 anos? Eles sentiram muitas saudades, mas não deixaram de me apoiar em nenhum momento.
O apoio da família o ajudou a evoluir. No começo de 2008, entrou para a Seleção Sub-20. No fim do ano, já estava na principal. Três anos depois, se tornou um atleta olímpico, uma das “sensações mais gostosas” que já viveu:
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– Pisei na vila olímpica e vi o Usain Bolt, a seleção de basquete dos EUA. Pensei: “estou mais feliz aqui do que se estivesse na Lua”.
Essa felicidade, essa motivação, fizeram com que ele lutasse duro em todos os segundos dentro do tatame. O esforço de uma vida foi recompensado com a medalha de bronze. O menino de sete anos realizava seu sonho.
A conquista mudou sua vida. Aumentaram os compromissos, os eventos, a responsabilidade. Ao final desta entrevista, por exemplo, já havia uma fila de jovens judocas em busca de uma recordação do ídolo. Kitadai entende a situação e a considera mais do que justa:
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– Essa medalha é muito grande para ficar guardada só comigo, ela tem que ser devolvida de alguma forma para as outras pessoas – e assim ele o faz, com a atenção, o respeito e a humildade que o alçaram ao olimpo.
Maria Portela, raçudinha dos pampas
O apelido não surgiu à toa. Na carreira de Maria Portela, a determinação sempre foi o caminho para seus objetivos. A trilha até Londres-2012 teve escala em seis cidades e inclusive a tarefa de ser babá. Rio-2016 é a próxima parada.

Durante as Olimpíadas, o Brasil deixa de ser o país do futebol e abraça todos os esportes. É o momento em que o público assite vôlei, basquete, judô, vela. Enfim, basta um brasileiro na tela para haver gente de olho. Neste cenário, quem nunca se pegou resmungando após um resultado ruim? Se o telespectador se decepciona de seu sofá, como imaginar o que passa pela cabeça de um atleta que cai antes do esperado? Maria Portela conhece bem esta sensação.
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Oitava do mundo em 2012, Portela perdeu para a bicampeã mundial Yuri Alvear na estreia em Londres. Após a luta, ela chorou, disse ter desperdiçado a chance da vida, queria ir embora logo – aquilo sim era decepção.
– Só caiu a ficha quando acabou. Você se prepara a vida inteira. Não deu cinco minutos de luta e eu estava fora.
A TV não transmite o turbilhão de pensamentos. Para Londres, a Confederação Brasileira de Judô adotou a estratégia de isolar os atletas em Sheffield até o torneio. Os lutadores só foram à vila olímpica na véspera das lutas. Dois dias antes do combate mais importante de sua vida, Portela se juntou aos maiores atletas do mundo.
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– Eu não sei se a tática de chegar em cima da hora foi boa, eu não soube administrar isso bem. Eu pensava “vou me concentrar só na luta, depois penso no resto”, só que é complicado. Fomos almoçar e dei de cara com o Phelps. Não parei, não tirei foto, mas foi um choque. Você não está acostumada com aquilo. O refeitório gigante, os melhores atletas do mundo ali e você também.
A frustração do resultado e as novidades da experiência a impediram de enxergar o momento com a clareza de hoje. Na verdade, aqueles minutos no tatame que pouquíssimos têm foram frutos de uma dura carreira.
O pessoal do sofá não tem ideia de sua trajetória. Não sabe que o judô entrou em sua vida porque era a atividade que cabia no bolso da família. Também não tem conhecimento de que para levar o judô a sério ela deixou Santa Maria aos 17 anos e se mudou para Criciúma, Joinville, Florianópolis, São Paulo e Porto Alegre. Tampouco que precisou trabalhar como babá e inclusive morar com as patroas para manter o sonho vivo. O apelido de Raçudinha dos Pampas não surgiu à toa.
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Em 2016, os olhos do espectadores estarão como nunca nas telas da TV. Ela sabe disso e rala como sempre para garantir sua vaga nas Olimpíadas do Rio, com a esperança de que o desfecho seja diferente:
– Quero o oposto. Senti a queda total, agora eu quero sentir como é estar lá no pódio.
ENCONTRO DE GERAÇÕES
Na delegação da Seleção Sub-21 que treinou em São José, a experiência ajuda a formar novos valores
Douglas Vieira, cinco décadas de judô
Ele sempre foi um cara feliz. Para ele, nunca houve tempo ruim. Fosse quando, ainda adolescente, ia à beira da estrada procurar uma carona de quase 400 km para ir da sua Catanduva a São Paulo treinar. Ou quando se desdobrava em busca de verbas para conseguir disputar campeonatos.

Até mesmo atualmente, na rotina de treinador da Seleção Sub-21 masculina, coordenador técnico do Paulistano e dono de empresa de eventos. No entanto, é difícil superar a alegria de julho de 1984, quando conquistou a prata na Olimpíada de Los Angeles.
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Desde a geração de Vieira, que ganhou outros dois bronzes no mesmo evento, o Brasil nunca passou uma Olimpíada sem medalha no judô. Se hoje a modalidade é uma das apostas do país para o Rio-2016, muito se deve às conquistas de sua época.
Nas quase cinco décadas na modalidade, ele vivenciou a transição de sua época, quando pouco sabia dos adversários e se desdobrava e até pagava do próprio bolso para competir, até os dias de hoje, em que os atletas participam de treinamentos e pelo mundo quase o ano inteiro.
Neste trajeto, que anda junto com a evolução do esporte no país, o sentimento predominante é o orgulho:
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– Você abre os livros sobre Olimpíadas e meu nome estará sempre lá. Me sinto realizado com isso.
Yuko Fujii, original do Japão
Yuko Fujii é mais uma das filhas criadas pelo berço do judô, o Japão. Seu início foi quase por acaso. Quando tinha cinco anos, sua mãe ficou doente. O médico que cuidou dela era reconhecido entre os judocas e a convidou para treinar. Ela não sabia do que se tratava, mas foi mesmo assim.

O início do judô não lhe cativou muito:
– Eu não gostava. Os meninos me jogavam, eu caia de cabeça e me machucava – diz uma das técnicas da Seleção Brasileira, que passou a apreciar o esporte quando começou a disputar torneios em equipe.
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– Eu me sentia um membro do time. No treino, as outras crianças eram como uma família, ótimos amigos, então eu comecei a gostar.
Desde então, ela seguiu a trilha do esporte. Muito disso deve-se ao governo japonês, que incentiva a prática esportiva. No colegial e na universidade ela participava de clubes da modalidade. Mas o judô não é a única opção, toda instituição de ensino oferece clubes de arte, música, futebol, enfim, as opções são várias.
Ao terminar a faculdade, recebeu o convite para ser treinadora na Inglaterra. Em dois anos, passou para a seleção local. Quando era membro do time britânico, surgiu a oportunidade de vir para o Brasil ensinar o que considera a “beleza do judô”:
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– No judô, nem sempre é preciso ter o potencial. Com trabalho duro e respeito dá para alcançar o alto nível.
Henrique Miniskowsky, o judoca polêmico
Ele não é um judoca comum. Não só pela habilidade no tatame – onde é uma das principais promessas da categoria até 90 kg – mas também pelas opiniões fora dele.

Com personalidade forte e experiência na base, é ele quem puxa o cumprimento que precede o treino.
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Miniskowsky começou na modalidade aos três anos, já que em sua escola “as meninas faziam balé e os meninos, judô”. Aos 16, deixou Curitiba para treinar em São Paulo, onde passou a “viver para o esporte”.
O judô o fez rodar o mundo, com experiências boas e ruins. A mais marcante aconteceu em 2010, quando se preparava para os Jogos Olímpicos da Juventude. Durante um período de aclimatação nos Emirados Árabes, ele se aventurou em uma pista de ski em um shopping, se lesionou e ficou de fora do torneio. O fato o fez pensar em desistir do judô, mas seus pais o motivaram a seguir.
A sequência da carreira rendeu diversos títulos, entre eles o vice no Mundial da categoria. Ele espera repetir o sucesso na categoria principal e conquistar uma medalha olímpica.
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Depois? Migrar para o MMA. Inspirado no ídolo Rickson Gracie, ele sonha ser campeão de um evento como o UFC. Para isso, ele “confia muito na eficácia do judô, o problema é aguentar porrada na cara”.
Jéssica Pereira, judô em família

Foi lá que ela começou na modalidade. De tanto acompanhar os irmãos mais velhos aos treinos, aos sete anos ela recebeu um convite para entrar no tatame. Seus pais sempre incentivaram a prática, justamente para evitar que a prole trilhasse “caminhos errados”. A mãe, Dona Imara, é sua maior fã:
– Ela vai lá, chora, vibra. A família é o mais importante. Ela fica nervosa, mas gosta. Ela me acha um exemplo.
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Este apoio a transformou em uma das maiores apostas do judô brasileiro. Somente neste ano, a atleta da categoria até 52 kg foi campeã nacional sub-21 e sub-23. No Circuito Europeu, ganhou ouro na Itália, prata na Alemanha e bronze também na Alemanha e na República Tcheca.
Com esperança de estar no Rio em 2016, Jéssica participará da seletiva para a Seleção principal. Ela sabe que está “muito em cima” para conseguir a classificação à Olimpíada. No entanto, se inspira em Sarah Menezes, ouro em Londres, para ter a chance de defender o Brasil em casa:
– Ela não era cotada para vencer, mas foi lá com garra e conseguiu.
