A obra de arte que o leitor está vendo agora diante de si pode ser lida como o reflexo e ao mesmo tempo também a indiferença em relação ao próprio tempo. O fato de apontar em múltiplas direções, sem dúvida, é uma de suas características mais marcantes, mas não a única.
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Ela irradia luz, por um lado, mas por outro, como se pode notar, não deixa de revelar aspectos sombrios da natureza humana, sugerindo uma espécie de reflexão a respeito do presente e não se eximindo, ao mesmo tempo, da responsabilidade política de apresentar um projeto de futuro – e faz isso finalmente por meio do uso criativo do arquivo. É admirável.
Como se não bastasse, o artista realiza ainda uma investigação a respeito do uso das novas tecnologias na arte, afinal um tema recorrente na nossa história pelo menos desde o Renascimento, com Leonardo da Vinci e outros pintores italianos, sendo também, e não por acaso, a grande pauta da arte no século 21.
Ao falar em tecnologia, seja como for, estamos nos referindo tanto aos materiais quanto aos conceitos. De resto, sempre houve novas tecnologias e sempre haverão, o que pode ser reducionista para o universo artístico, mas também libertador. Nisso, de fato, as opiniões se dividem.
De certa maneira, estamos diante também de um work in progress. Mais de um crítico já chamou a atenção para este aspecto da obra, mas nem por isso podemos encarar o debate de forma consensual. Críticos nem sempre têm razão, principalmente em se tratando de um artista com tamanha complexidade. A grande obra de arte, em todo caso, é aquela que impõe dificuldades de interpretação e não o contrário. Já quanto a isso ninguém discute.
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O leitor, que não pode deixar de ser uma peça participativa diante desta obra de arte, tem também a liberdade de escolha: entrar ou não entrar, tocar ou não tocar, ou seja, em última análise, ver ou não ver. O corpo é plataforma, a comunicação falha. A despeito de ser uma obra experimental, parece surpreendente que ela seja também muito bem resolvida em seu caráter formal, já que tema e forma convergem para potencializar o sentido e nos levar mais além. Nota-se uma preocupação com os detalhes.
E o que dizer de seu aspecto noturno? O que dizer, ainda, de sua violência iminente? E das inúmeras citações, mostrando pleno conhecimento da história da arte? É uma obra política, mas não pedagógica. Em outras palavras: sugere, mas não define. Por outro lado, não podemos deixar de dizer que sua mensagem é claríssima: ela trata, dentre outras coisas, do instante da concepção. Freud, por exemplo. Nisso consiste sua singularidade. Mas diz também, acima de tudo, que as fronteiras são definidas apenas por aquilo que nos define. Seu único segredo é não ter segredo.
Por fim, não poderíamos deixar de dizer que a obra de arte que o leitor está vendo agora diante de si pode ser lida como o reflexo e ao mesmo tempo também a indiferença em relação ao próprio tempo. O fato de apontar em múltiplas direções, sem dúvida, é uma de suas características mais marcantes, mas não a única.