*Por Julie Weed

Segundo o setor de aviação, o volume de passageiros nos EUA caiu cerca de 94 por cento desde o início da pandemia do coronavírus; a indústria hoteleira sofreu um golpe semelhante. Entretanto, ainda tem quem continue viajando a serviço.

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Como o consultor Ben Peterson, que sai de casa, no norte da Califórnia, para atender a empresa da indústria bélica para a qual trabalha, no Condado de Los Angeles, todo domingo à noite, voltando na sexta. "Não posso fazer home office porque as informações com que eu lido são sigilosas demais para saírem do escritório", explica.

Ou Mark Kay, gerente de conteúdo de um site de jardinagem chamado Gear Trench. "Já reduzi bem minha cota de viagens, e, se tenho de sair, prefiro ir de carro em vez de avião, sempre que possível."

Tem também casos como o de Hana Pevny, pequena empresária que trabalha com aluguéis no Maine e no Colorado, que teve de ir a Aspen, no fim de abril, para preparar um imóvel para uma nova inquilina.

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Milhões de pessoas perderam o emprego ou estão de licença; outras continuam a trabalhar, mas sem precisar sair de casa. Mas há algumas poucas exceções, gente que não tem opção a não ser viajar profissionalmente – e suas experiências são drasticamente diferentes daquelas de alguns meses atrás. Terminais de aeroportos, hotéis com corredores praticamente vazios e lojas fechadas têm um ar ligeiramente apocalíptico. A maioria dos aviões, por exemplo, levanta voo com apenas alguns gatos pingados espalhados entre os corredores, e o serviço de comida e bebida a bordo simplesmente desapareceu.

Peterson diz que viajar no fim de março, quando tanta coisa tinha começado a parar, "foi quase assustador". "Agora o vazio não me incomoda; também não tenho mais medo de adoecer. Pelo menos está muito melhor do que no ano passado, nesta mesma época, que é o pico da temporada de gripe. Os aviões lotados, gente tossindo o tempo todo", conta.

"Estão limpando os aviões toda hora, há menos passageiros. O voo que pego geralmente tem capacidade para 140 pessoas, mas ultimamente só tem levado umas dez", continua. "Eu começaria a me preocupar com a possibilidade de adoecer se muita gente começasse a voltar a voar antes de a incidência de casos chegar a um número mínimo ou zerar", conclui.

De acordo com a Administração para Segurança nos Transportes, as viagens aéreas nacionais aumentaram no início de maio: o número de passageiros que passaram pela segurança nos pontos de checagem da TSA, que em trinta de abril estava em 155 mil, foi para 191 mil em sete de maio. Mas, no geral, o volume é pífio comparado com esta mesma época do ano passado.

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A combinação de mais viajantes e menos aeronaves significa que alguns voos já estão mais cheios – tendência que muitos consideram problemática nestes últimos dias.

As aéreas que ofereciam voos a cada 60 ou 90 minutos entre grandes metrópoles ou cidades populares agora só têm três ou quatro por dia. "Elas estão tentando conciliar a demanda dos passageiros com a capacidade de voo, e sai sempre mais barato colocar mais pessoas em menos voos. Não têm condições de ocupar 1.500, 1.800 lugares por dia em um mercado cuja demanda varia entre 150 e 180", afirma Helane Becker, analista da indústria para a firma de serviços financeiros Cowen, por e-mail.

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(Foto: Jenna Schoenefeld / The New York Times)

Quando Peterson vai a Los Angeles, sempre se hospeda no mesmo hotel, um que usa desde meados do ano passado. E consegue pegar sempre o mesmo quarto porque o gerente o mantém desocupado quando ele volta para casa. Tirando isso, muita coisa mudou, como o bufê de café da manhã, que não existe mais; as estações que preparavam waffles, cereais, frutas e iogurte foram substituídas por itens pré-embalados, como barrinhas de granola. E o salão, com a TV enorme exibindo jogos de futebol, está vazio. "Vejo mais ou menos metade dos funcionários que conheço, e parece que vários andares estão completamente vazios", constata.

Peterson explica que incluiu uma série de medidas de precaução na rotina de viagem, como a limpeza de toda a área ao redor da poltrona no avião e os pontos mais expostos do carro alugado; além disso, só aperta os botões de elevador com os cotovelos e borrifa a mala e a mochila com desinfetante antes de entrar no automóvel, estacionado no aeroporto, para voltar para casa.

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Kay, o gerente de conteúdo do site, revela que viajou de sua cidade – Calgary, na província canadense de Alberta – para Victoria, na Colúmbia Britânica, em abril, para checar os protótipos de alguns produtos que sua empresa está desenvolvendo. "Queria sentir as peças na mão, testar a qualidade, antes que elas saíssem aos milhares para o mercado", justifica.

"Mas você não se sente mais à vontade viajando; tem de estar cauteloso o tempo todo. Além de preocupante, cansa, porque dá a impressão de que não posso tocar em nada. Reduzi ao máximo esses compromissos, e procuro ser bem criterioso em relação à necessidade e à segurança das viagens."

Quando volta para casa, conta que deixa as malas na garagem durante dois dias e vai direto para o chuveiro, além de jogar as roupas na máquina de lavar e manter distância da mulher e do filho de dez anos por 24 horas.

"A pandemia mudou meu critério de decisão entre voar e/ou pegar o carro. Não faz muito tempo, fui para Edmonton por terra, quando antes nem piscava para ir voando. Não dá para manter o distanciamento social no avião, por isso dirigir é mais seguro."

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Pevny, que mora no Maine, não tem a opção de ir de carro para o Colorado, mas, uma vez que as companhias aéreas reduziram as ofertas de voo, principalmente para os aeroportos menores, ela também não pôde fazer a rota habitual, de Portland, via Chicago, para Aspen, que leva seis horas. Em vez disso, acabou tendo de fazer uma maratona de mais de 16 horas, indo de carro do Maine para Boston, de lá voando para Charlotte, na Carolina do Norte, depois para Denver e percorrendo os 320 quilômetros finais de carro.

Como proprietária, tinha de ir a Aspen para preparar o imóvel para a entrada de uma nova inquilina, coisa que é difícil fazer remotamente. "Normalmente, alugo para férias, tipo uma semana, até um mês, mas essa pessoa vai ficar seis meses. É de Nova York e vai trabalhar remotamente", explica.

E como os horários dos voos andam muito incertos, ela resolveu só comprar a passagem de volta quando estiver com tudo pronto para retornar. "É surreal andar pelo aeroporto vazio, com as lojas todas fechadas, todo mundo de máscara. A experiência me deixou arrasada", revela.

Pevny diz que não se preocupou com a possibilidade de contrair o vírus no avião. "Acho que é muito mais provável você se contaminar na mercearia da esquina, onde o espaço é mais reduzido, do que atravessando o país. De qualquer maneira, adiei a viagem algumas semanas, até saber que era seguro deixar meus pais, já que os dois têm mais de 80 anos. Quis conferir antes o que estava sendo feito para acomodar os viajantes e também ter a certeza de que poderia voltar imediatamente se um dos dois adoecesse."

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(Foto: Kristin Braga Wright / The New York Times)

É claro que muitas empresas vêm tomando muito cuidado com as viagens corporativas. Harvey Gluckman, gerente de vendas de uma empresa de serviços de tecnologia, diz que normalmente percorria mais de 160 mil quilômetros por ano visitando clientes, mas que está "de castigo" desde o início de março e não tem nenhuma expectativa de voltar a voar antes do segundo semestre.

"Vai chegar a hora em que os governos estadual e federal dirão que é seguro viajar, mas o diretor médico e o RH da empresa é que vão bater o martelo. Ninguém quer funcionário doente", conclui.

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