Santa Catarina tem uma das cidades mais verticais do Brasil, e ainda uma das poucas onde mais pessoas moram em apartamentos do que em casas: é Balneário Camboriú, a terra dos prédios mais altos do Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade (57,2%) dos habitantes vive em prédios. É um contraste ao Estado, onde 77,2% dos domicílios ainda são as casas.
Continua depois da publicidade
Receba notícias de Santa Catarina pelo WhatsApp
Balneário Camboriú viveu e vive uma onda de valorização imobiliária, o que ajuda a explicar, além da proporção de apartamentos, o interesse neste tipo de moradia. Outro fator pode ser a limitação de espaço. São 45,214 quilômetros quadrados para os mais de 139 mil habitantes.
Mas, mesmo que a tendência seja deixar as casas para viver em apartamentos, há quem resista a todo custo.
Uma casa em meio aos prédios
Marlene Kaltmeier é uma das poucas e últimas moradoras da quadra-mar de Balneário Camboriú, um dos trechos mais verticais e valorizados da cidade. Últimas porque ela viu, aos poucos, as casas serem derrubadas para dar lugar aos prédios que hoje cercam sua casa amarela, no mesmo terreno onde os avós imigrantes construíram a residência de veraneio da família.
Continua depois da publicidade
— Não vendo — garante.
Os prédios ao redor não a incomodam, e nem a sombra das construções à volta. A casa de três andares continua arejada, os passarinhos já sabem que naquele terraço há jabuticabas à vontade, e os três gatos que fazem companhia a ela não botam uma pata sequer para fora dos limites seguros da casa.
A resistência toda para abrir mão da casa é devido à história do imóvel: cada tábua no chão, cada caneco de chope exposto na garagem — paulista de nascença, mas blumenauense de vida, Marlene tem uma coleção deles.
O terreno foi comprado pelos avós de Marlene anos antes de ela nascer, quando o casal veio da Alemanha para o Brasil. Se instalaram em Blumenau, mas a família morou em São Paulo quando ela veio ao mundo — era a primeira neta e o xodó dos avós. A casa foi construída em 1952, e mobiliada com madeira maciça, tudo feito à mão pelo avô de Marlene.
Com poucos meses de vida, os Kaltmeier já vieram passar o verão na antiga Camboriú. A casinha de madeira era morada durante os meses mais quentes do ano, e a poucos metros da praia, era o lugar preferido das crianças.
Continua depois da publicidade
Conforme a cidade foi crescendo e virando outra, as outras casas de veraneio foram dando lugar aos prédios. Em 2001, aquela residência de madeira, branca com detalhes em verde (para o terror do cunhado corintiano de Marlene), foi demolida. No mesmo terreno, ergueu-se a residência de três andares que ela chama de lar.
A localização privilegiada faz com que, dia sim e outro também, corretores e representantes de imobiliárias apareçam no portão com ofertas tentadoras de venda. A eles, Marlene dá respostas claras e diretas. Não vende.
Viver em uma casa, no entanto, tem seus desafios. A residência tem alarmes, grades em todas as janelas e portas, e elas raramente ficam abertas. O carteiro já a conhece pelo nome e não é raro que as encomendas sejam jogadas por cima da grade, para que ela não precise nem abrir o portão.
Continua depois da publicidade
O que explica a verticalização das cidades
Para Renato Monteiro, especialista em mercado imobiliário, no caso de Balneário Camboriú, a limitação territorial e as possibilidades que o poder público abriu para as construtoras fortaleceu a verticalização.
Francisco Antônio Carneiro Ferreira, doutor em planejamento urbano pela Université Sorbonne Nouvelle, na França, e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que a verticalização é um fenômeno mundial que começou com o êxodo de moradores do interior em direção ao litoral.
Segundo o IBGE, três em cada quatro habitantes de Santa Catarina vivem no litoral, em uma faixa de até 150 quilômetros da costa. São 5,7 milhões de pessoas, o que equivale a 75,4% da população total do Estado. Essa quantidade de pessoas em espaços tão limitados faz com que seja necessário pensar em soluções para abrigar a população.
O adensamento das cidades e a elevação do gabarito, ou seja, o limite de altura dos prédios (que na região central de Balneário Camboriú, por exemplo, é livre), segundo Francisco, precisa estar relacionado à oferta de infraestrutura. Para Renato Monteiro, este é o desafio das cidades, e, também, uma das vantagens para a gestão urbana.
Continua depois da publicidade
Uma casa que abrigava uma família, por exemplo, ocupa o mesmo espaço de um prédio que abriga 40. Facilita a coleta de lixo, a iluminação pública, mas desafia o saneamento básico.
— Todas estas famílias estão pagando impostos e contribuindo para investimentos em um espaço demográfico menor. Isso acaba dando eficiência pública — considera Monteiro.
Leandro Ludwig, doutor em Desenvolvimento Regional e professor da Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb) exemplifica:
— Uma rede de saneamento básico de um quilômetro pode atender 100 pessoas (e ter custo de gestão e manutenção maior) ou atender mil pessoas (e ter custo de gestão e manutenção menor) — explica.
Continua depois da publicidade
— Se a verticalização ocorre em cidades compactas de alta densidade, ela pode estar associada a um melhor aproveitamento das infraestruturas, que se tornam mais eficientes e com menor custo de gestão. Neste contexto urbano a verticalização pode ser muito positiva, desde que respeite a capacidade de suporte das infraestruturas.
Segundo Ludwig, a verticalização traz impactos para os equipamentos públicos, como saúde, educação e lazer, e por isso é preciso planejar a elevação da densidade demográfica.
A necessidade de planejamento para verticalização foi vista com o adensamento do Centro de Florianópolis, exemplifica Francisco Antônio Carneiro Ferreira. Na década de 1970, a Capital viu o Centro Histórico ganhar prédios, mas também houve prejuízos à história da cidade.
Por isso, para ele é necessário não apenas construir os prédios, mas preservar o patrimônio histórico, fortalecer a mobilidade, estimular a arborização e criar espaços mistos — moradias e comércios, locais de convivência.
Continua depois da publicidade
Rubens Spernau, engenheiro e secretário de Planejamento Urbano de Balneário Camboriú, reconhece este desafio. Na cidade, o Plano Diretor prevê recuo na construção dos prédios. Por exemplo, quanto mais alto, mais calçada ele deve ter. Esta é uma forma, segundo ele, de incentivar a arborização das áreas mais verticais da cidade.
— Você gera mais espaço para as pessoas e, com isso, um ambiente mais atrativo para usar até outros modais. Eu nem falo de ruas para carros, eu falo de ruas para as pessoas, de passeios, de sistemas cicloviários e mobilidade alternativa, de poder criar um eixo de transporte público.
Itapema e Florianópolis passam pelo mesmo fenômeno
Não é só Balneário Camboriú que tem verticalizado as moradias. Em Itapema, por exemplo, onde o metro quadrado valoriza a cada mês, a verticalização atingiu o patamar de 38,76% dos domicílios.
Em Florianópolis, Francisco Antônio Carneiro Ferreira afirma que a verticalização já acontece desde 1970. No Censo 2022, segundo o IBGE, 38,64% dos domicílios são verticais na Capital. Na mesma região, São José também ocupa lugar de destaque — é a segunda cidade mais vertical do Estado.
Continua depois da publicidade
Para Leandro Ludwig, o fato de quatro das 10 cidades mais verticais do Brasil estarem no litoral catarinense confere a essa região um “status central na discussão da verticalização em nível nacional”.
O desafio da verticalização do litoral catarinense cai, muitas vezes, nas cidades de pequeno porte, que vivem um dilema: por um lado, muitas não possuem densidade nem recursos para criar o contexto urbano em que a verticalização se faz necessária e se torne benéfica (é o caso das cidades compactas).
Por outro lado, o interesse público e a demanda não pode ser freada — como em Balneário Camboriú, onde esta alta procura impulsiona o mercado imobiliário, e traz recursos e condições econômicas para qualificar a cidade.
Há cidades, ainda, onde a verticalização ocorre antes mesmo da alta na densidade demográfica, o que, para Ludwig, pode comprometer a capacidade de suporte e produzir efeitos negativos.
Continua depois da publicidade
— Uma saída para essas cidades pode estar no uso das outorgas onerosas (Itapema utilizou da outorga para alargar a faixa de areia) e na promoção de Parcerias Público Privado (Porto Belo utilizou de PPP para viabilizar o projeto do molhe na praia do Perequê). Entretanto, é importante que tanto as outorgas, quanto as PPPs sejam utilizadas mais para qualificar as infraestruturas e menos para embelezamento urbano, de forma a viabilizar uma verticalização qualificada — conclui.
As 10 cidades mais verticais de SC
- Balneário Camboriú – 57,22%
- São José – 41,05%
- Itapema – 38,76%
- Florianópolis – 38,64%
- Jaraguá do Sul – 28,08%
- Criciúma – 27,88%
- Palhoça – 27,72%
- Blumenau – 27,52%
- Itajaí – 26,54%
- Chapecó – 25,19%
Leia também
Prédio high tech em SC terá segurança feita por Inteligência Artificial
Quais são os maiores arranha-céus de Santa Catarina; veja lista