Um garoto entra no ônibus e pergunta para o motorista: “Depois do paraíso, ele vai pra onde?” Em uma rua próxima à Avenida Paulista, em São Paulo, uma voz exclama: “Olha só a fila pra entrar no inferno!” Frases que, tiradas do contexto original – Paraíso é o nome de um bairro e Inferno um bar na Rua Augusta – adquirem novos sentidos, criam outras graças, despontam para múltiplas histórias.

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Disso se faz o novo livro de Veronica Stigger, escritora nascida em Porto Alegre e radicada em São Paulo desde 2001, cujo nome figura entre os principais autores brasileiros contemporâneos.

Delírio de Damasco é uma reunião de frases soltas, ouvidas ou inventadas por Veronica, que transitam entre o enigma e o cotidiano, indo do estranhamento de forma e conteúdo à provocação do imaginário de quem lê. O livro, produzido de forma artesanal, está sendo lançado pela Cultura e Barbárie – editora de Florianópolis que estreia sua coleção literária Pseudo-. Leia abaixo a entrevista do DC com a autora.

Como surgiu o Delírio de Damasco?

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Veronica Stigger – Eu já vinha juntando frases que ouvia, justamente essas frases que são uma história em potencial. São curtas, mas dão a ideia de que tem algo antes e algo depois. Ou seja, cabe ao leitor reconstruir ou imaginar o que poderia ter para além do que está sendo dito ali. A convite do Sesc, construí em 2011 o projeto chamado Pré-historias, 2, de uma instalação feita a partir dessas frases. Só que algumas delas não entraram no projeto, porque tinham palavras que acharam complicado colocar na rua, principalmente relacionadas a sexo. Aí vem o Sopro, publicação da editora Cultura e Barbárie, que acabou publicando as frases que ficaram de fora, junto com outras que recolhi depois. Misturei frases que ouvi na rua, frases que peguei de amigos e frases que inventei. A partir disso, pensei: vamos fazer um livro. E isso já com outro nome, Delírio de Damasco.

De onde veio esse título?

Veronica – Quando estava terminando o Projeto do Sesc, passei alguns dias em Porto Alegre e ia sempre a uma confeitaria. Ouvi muita coisa nessa confeitaria, inclusive algumas frases que estão no livro. E lá, então, comi uma torta que se chamava Delírio de Damasco. Achei muito bom esse nome, porque tem coisas do livro que são realmente delirantes.

Quando lançou Os Anões (2010), você disse que a característica comum a seus três livros era a experimentação de gênero. Isso se mantém?

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Veronica – Sem dúvida. No Delírio de Damasco, mais ainda. Por ele ser pequeno, há experimentação não só de gênero, mas de fazer um livro artesanal, costurado a mão. Esse trabalho não é fácil de conseguir em uma grande editora. Mas eu gosto de experimentar bastante com as formas literárias, sim. Tenho textos que são contos, mas tenho também vários outros formatos: legendas, placas, palestras e outros. No ano que vem, pretendo lançar um livro com um texto mais longo. É um romancinho, o que no Rio Grande do Sul a gente chama de novela. Fica entre o conto e o romance, no sentido da extensão.

Li no site istonaoeumcachimbo.com que você se incomodava com o limite de caracteres do texto de jornal, quando trabalhou em redação. Na literatura, por outro lado, você costuma adotar formas muito breves. O que muda de um para o outro?

Veronica – A questão é diferente. No jornalismo, me incomodava o limite de caracteres que havia para desenvolver um pensamento teórico. Posso dizer que tenho uma vida dupla. Essa questão da literatura, de fato, tem um texto curto. Por outro lado, tenho uma vida de pesquisadora, de trabalho em universidade, mestrado, doutorado. Quando estava no jornalismo, me interessava muito por artes plásticas. Trabalhei no Segundo Caderno da Zero Hora e fui fazer a cobertura da primeira Bienal em Porto Alegre. Chega um momento em que você quer analisar um pouco mais, algum artista ou alguma obra, e tem um limite. Minha reclamação é nesse sentido, de não poder desenvolver mais profundamente um pensamento. Isso acabou me levando para a pesquisa acadêmica. Já na literatura, a maioria dos textos que publiquei são curtos, e há inclusive uma tendência a diminuir cada vez mais.

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Este ano, a revista Granta lançou a versão brasileira do que seria a lista dos 20 melhores escritores do país, com idade até 40 anos. Você preferiu não se inscrever, por quê?

Veronica – A Granta está tentando impor uma determinada forma de literatura, que é muito atrelada ao entendimento de literatura norte-americano em inglês, em que há uma prioridade para o romance, ou seja, elimina toda uma série de experimentações. Então, a revista Granta tem um pensamento editorial que não corresponde ao que me interessa na literatura. Eu gosto de experimentar as formas literárias e isso entra justamente em choque com o que propõe a Granta. A revista já tem esse perfil, que corresponde a uma ideia muito clara e que me parece muito engessada, do que é literatura. Por isso, não fazia sentido submeter um texto a uma revista cujo projeto editorial não fecha com o que eu gosto de fazer. Tanto é que o título da lista em inglês é The Best Brazilian Novelists [Os Melhores Novelistas Brasileiros], e não writers [escritores]. Isso deixa muito evidente essa orientação de literatura e a prioridade para o romance.

Agende-se

O quê: lançamento do livro Delírio de Damasco

Quando: quarta-feira, dia 28, às 18h30min

Onde: Campus da UFSC, Centro de Comunicação e Expressão, Bloco B, Sala Drummond

Quanto: evento gratuito

Preço do livro: R$ 25 no lançamento. A partir de 3/12, vendas pelo site da editora por R$ 30, com frete incluso www.culturaebarbarie.org

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Páginas: 77

Editora:Cultura e Barbárie