Eu costumava tirar os sapatos no cinema, até que um dia fui recalçá-los e não os encontrei. Não pensei em roubo nem em ratos. Por alguma razão, imaginei que eles tinham fugido.

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Era isso. Meus sapatos tinham se aproveitado da minha desatenção e dado no pé. Naquele instante, estavam correndo pela rua, pulando de alegria e batendo os calcanhares no ar para celebrar a liberdade conquistada. Talvez tivessem planejado a fuga havia tempo e só esperassem a oportunidade. O cinema era o lugar ideal. Eles podiam sair furtivamente, no escuro, e sua falta só seria sentida no fim da sessão. E finalmente andariam sozinhos na rua, sem o meu peso para oprimi-los.

Eventualmente, eles entrariam para uma gangue de sapatos fujões ou marginalizados. Um bando de renegados – botinas descartadas, mocassins decadentes, tênis de boa família caídos em desgraça, sandálias Havaianas e alpargatas nordestinas vivendo em louca promiscuidade, sapatilhas rebeldes e, claro, inúmeros pés de chinelo – que andavam pelos becos cheirando cola de sapateiro, chutando latas e sapateando até altas horas. Acabariam na minha porta, pedindo graxa, seu lugar de volta na segurança do meu armário, e perdão. E então me pagariam.

Acabei encontrando meus sapatos. Que não tinham fugido. Talvez só ido dar uma volta.

Padrões

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Durante muitos anos, o padrão de mulher “boa” no Brasil foi o tipo violão.

Mais anca do que peito. Aos poucos fomos nos enquadrando nos padrões internacionais de beleza, embora persistisse a certeza de que o padrão violão era melhor, e os estrangeiros não sabiam o que estavam perdendo. O tipo longilíneo se impôs e hoje nem entre os travestis, esses guardiões das virtudes femininas em desuso, se encontra o formato antigo. Mais uma vitória do colonialismo cultural.

Tese: a evolução do maio teve muito a ver com isso. O advento do biquíni e da tanga condenou a coxa larga a adaptar-se ou sair da praia. A transformação do traje de banho trouxe outros benefícios para a humanidade e seus fundilhos. Ainda peguei o tempo dos calções infantis de pano, que ficavam pesados e ásperos quando molhados e cheios de areia, e nos assavam as pernas e a bunda. E até uma determinada época os “maillots” das moças eram feitos para disfarçar o fato de que elas tinham sexo. Mas a gente sabia que elas tinham, embora não se tivesse bem certeza de como funcionava.

Conclusão: bons tempos, nada!