A Câmara de Vereadores de Jaraguá do Sul aprovou na terça-feira, em primeira votação, projeto de lei que proíbe o ensino de qualquer temática relacionada à “ideologia de gênero” nas escolas da rede municipal.
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O texto foi aprovado por unanimidade entre os parlamentares e gerou polêmica nas redes sociais. O projeto deve ir à segunda votação hoje e, caso tenha os votos favoráveis, segue para sanção do prefeito Antídio Lunelli (PMDB).
O vereador Jackson José de Ávila (PMDB) foi o autor da proposta, que também foi assinada pelos parlamentares Ademar Braz Winter (PSDB), Anderson Kassner (PP), Celestino Klinkoski (PP), Isair Moser (PSDB), Jaime Negherbon (PMDB) e Marcelindo Carlos Gruner (PTB).
Inicialmente, a discussão não estava prevista na pauta de votações, mas a inclusão foi solicitada por Ávila durante a sessão. Na justificativa apresentada no texto do projeto, o vereador afirma que cabe aos pais decidir o que os filhos devem aprender em matéria de moral.
– Não cabe à escola doutrinar sexualmente as crianças, desprovidas que são das necessárias compreensão e maturidade, ainda mais quando essa doutrina vai contra todo o comportamento habitual e majoritário da sociedade, pois isso pode causar-lhes danos irreversíveis quanto à sexualidade e quanto a aspectos psicológicos – justifica na proposta.
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Durante a defesa do projeto em plenário, o vereador afirmou respeitar a opinião de todos. Porém, disse ser um defensor da família. Ávila também afirmou que as pessoas não podem mandar o filho para o colégio de manhã e a criança ouvir que ela não tem um sexo definido.
– Não podemos dizer para uma criança de quatro, cinco, seis anos que de manhã um menino pode ser menino e de tarde um menino pode ser uma menina – defendeu.
“Pai e mãe é que precisam doutrinar”, diz vereador
Durante a discussão do projeto, o vereador Marcelindo Gruner também se pronunciou sobre o assunto. Para ele, as novas regras fazem com que a escola faça a função de educar e ensinar, deixando os princípios da moralidade para os pais.
– É o pai e a mãe que tem que doutrinar (a criança) e direcionar ela. Por que em que mundo nós vamos viver então? De qual forma vamos chegar para um filho e dizer ‘você é menino’ e ele vai dizer ‘não pai, lá na escola falaram que eu posso ser uma menina’, ou vice versa? Então, estamos jogando a moral no lixo, e vamos deixar o mundo educar nossos filhos porque não educaremos mais – questiona o parlamentar.
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Antropóloga defende a discussão do assunto nas escolas
A professora e doutora em antropologia Maria Elisa Máximo se diz contra a aprovação do projeto e acredita que o termo “ideologia de gênero” é completamente incorreto porque não existe do ponto de vista conceitual. Ele é inexistente no campo de estudo de gênero ou da ciência. Segundo a especialista, esse é um conceito tão ideológico quanto a suposta ideologia que os vereadores e defensores do termo dizem denunciar.
– Isso é uma grande falácia. Não existe nada nesse campo de estudo que dê embasamento a esse conceito de “ideologia de gênero”. Nem a essa afirmação que eles fazem de que não se pode discutir isso na escola porque senão estaria desestruturando família e convencendo crianças a serem outra coisa que não aquilo que está determinado no processo biológico – explica.
Para Maria Elisa, o que acontece hoje são os setores mais conservadores fazendo com que as pessoas acreditem que falar de gênero na escola é simplesmente dizer que um menino não precisa ser necessariamente um menino. No entanto, ela aponta isso como um tabu a ser quebrado. A justificativa da especialista é o sexo biológico com o qual as pessoas nascem não determinar a identidade de gênero (como a pessoa se identifica). Segundo ela, isso não é doutrinação, mas um fato importante a ser discutido na escola.
– Não é para fazer a cabeça de ninguém, doutrinar ou convencer alguém a não ser menina ou menino. Até porque as pessoas que se sentem diferentes dessa visão binária e dualista não vão precisar da escola para serem convencidas disso. Uma menina trans que chega na escola descobrindo sua transsexualidade ou já tendo descoberto não vai precisar de um professor para dizer o que ela é ou deixa de ser. Ela simplesmente vai ser.
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A antropologa afirma que a discussão sobre diversidade precisa ser feita se a escola quiser ser um ambiente acolhedor, plural e que respeita o direito constitucional à dignidade humana. Simplesmente porque ela vai ter que inserir os alunos da mesma maneira, independentemente de haver uma discussão ou não.
– Como você vai acolher a diversidade que obrigatoriamente vai estar presente no espaço escolar sem discutir isso? Sem dizer para todos os outros colegas que, eventualmente, estranhem uma condição que foge ao padrão hétero-normativo e cisgênero sem fazer o debate? Isso não implica em doutrinação, convencimento ou desestruturação da família – garante.
De acordo com Maria Elisa, outro tema importante também é a diversidade de arranjos familiares que hoje se encontram na sociedade. Há filhos de dois pais, duas mães, de mães ou pais solteiros e ainda crianças que foram criadas pelos avós. Para ela, isso também é discutir questões de gênero e orientação sexual, que precisam estar presentes na realidade da escola.
Assista a sessão: