Nunca na história da Câmara de Vereadores de Blumenau uma legislatura apresentou e apreciou tantos projetos nos primeiros três meses quanto em 2017 – mas isso não necessariamente quer dizer que os atuais parlamentares sejam melhores do que outros. Para se ter ideia, de 1º de fevereiro a 1º de maio deste ano, um total de 152 matérias passaram pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Câmara (CCJ), número considerado alto e que ultrapassa – e muito – somas anteriores.
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Em comparação com os dois últimos inícios de mandato, em 2009 e 2013, foram 81 e 99 propostas respectivamente, o que reflete um crescimento considerável. O montante é alavancado principalmente pela renovação no Legislativo municipal, com a entrada de oito novos vereadores que são responsáveis por 50 projetos apresentados.
Nesse período de 90 dias, quem mais conseguiu aprovar projetos não foi um vereador e sim a própria prefeitura de Blumenau. Responsável pela apresentação de 34 propostas, o Executivo conseguiu emplacar 29 e teve apenas uma arquivada – outras quatro ainda tramitavam quando os dados foram coletados, no último dia 8. Isso indica certa submissão da Câmara? Para alguns especialistas, sim. Conforme o professor da Furb e colunista do Jornal de Santa Catarina, Clóvis Reis, embora a produção legislativa seja de boa quantidade e qualidade e agregue temas próximos das pessoas e aliados à vida moderna, há uma inclinação perceptível àquilo que vem do prédio às margens da Beira-Rio.
– Há um número de vereadores a fim de legislar e outros mais inclinados a aprovar o que vem do Executivo. Há uma atividade interna com certa submissão às propostas que vêm da prefeitura. Aí fica o questionamento se uma Câmara tão próxima do Executivo terá condições de fiscalizá-lo. Quando houver necessidade os vereadores irão tomar atitudes? Como vão se comportar? Terão autonomia para isso? – questiona Clóvis Reis.
Na opinião do presidente da Mesa Diretora, o vereador Marcos da Rosa (DEM), aprovar a maioria das proposições que cruzam a Amadeu da Luz, entram na 7 de Setembro, acessam a Rua das Palmeiras e chegam à Câmara não necessariamente significa submissão ao Executivo.
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– Não acho que isso denote uma subserviência da Câmara. Naturalmente que os projetos enviados pelo Executivo atendem às expectativas dos vereadores, como questões orçamentárias, que nós não podemos barrar somente por uma questão política – avalia.
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Sobram propostas, mas falta utilidade na produção
De todos os projetos apresentados no período avaliado pela reportagem, 81 foram aprovados (53,2%) e 41 arquivados (27%) – outros 30 ainda aguardam parecer. Se selecionarmos apenas os projetos aprovados que são de autoria dos vereadores, o percentual sofre ainda mais alterações. Das 102 matérias apresentadas somente por parlamentares, 37 passaram (36,2%). Esmiuçando ainda mais o número, veremos que boa parte é de propostas que envolvem alteração de leis, declaração de entidades como utilidade pública, denominação de ruas, ribeirões e terminal de ônibus, ou instituição de datas comemorativas e meses coloridos. Apenas 10 projetos têm utilidade e conteúdo realmente substanciais, o que levanta a discussão sobre o papel do tal “representante do povo”.
Para o doutor em Ciências Siciais e professor Marcos Mattedi, da Furb, a quantidade elevada de projetos leva em conta dois fatores: o primeiro diz respeito às mudanças que a Câmara teve da última legislatura para atual – nomes experientes como Fábio Fiedler, Mário Hildebrandt, Ivan Naatz, Robinho, Beto Tribess, Vanderlei de Oliveira, Cezar Cim, Marcos Antônio Wanrowsky, Célio Dias e Jefferson Forest deram lugar a “novatos”. A segunda variável corresponde ao que Mattedi chama de um novo método de mostrar aquilo que estão fazendo:
– Os vereadores fazem da apresentação da proposta e aprovação de projetos um marketing político. É uma forma de demonstrar que estão trabalhando e apresentar serviço, algo que está muito ligado às redes sociais.
– Me parece que os vereadores insistem em apresentar projetos que não passarão só por prestar contas com o eleitor. É como tentar apresentar uma proposta para obrigar que em Blumenau chova de baixo para cima e não de cima para baixo. Não vai passar, é óbvio, mas ele usa isso como uma forma de mostrar que está trabalhando – complementa o colunista de política do Santa, Clóvis Reis.
Mais fiscalização sobre ações do Executivo
Na opinião do advogado Jorge Lobe, presidente da Comissão de Moralidade Pública da OAB subseção Blumenau, essa é uma mostra de quão atadas estão as mãos dos vereadores no que diz respeito à criação de novas leis perante a Constituição e a prova de que a função precisa ser mais flexível: menos preocupação em mostrar trabalho com a apresentação incansável de projetos e mais fiscalização de licitações e outras ações que envolvem o Poder Executivo. A explicação é simples: há uma restrição constitucional ao trabalho parlamentar que veda a criação de matérias que envolvam orçamento, estruturação de secretarias, servidores, cargos e carreiras e suas remunerações.
Isso torna necessária, conforme Lobe, muita inteligência para inovar de modo eficaz no que diz respeito a assuntos locais, caso contrário a possibilidade de que sejam criados projetos irrelevantes ou destinados à rejeição é grande. Mas como resolver isso e tornar efetivamente prático o trabalho do vereador? Segundo o advogado, fiscalizando.
– A vereança é tomada como um espaço hegemonicamente legislativo, e a função fiscalizadora é pouco valorizada quando, na verdade, precisaria ser mais desenvolvida. A Câmara detém das mesmas ferramentas e prerrogativas que as assembleias legislativas e o Congresso Nacional para fiscalizar o poder público – defende Lobe, ao afirmar ainda que a criação de um corpo técnico com o objetivo de acompanhar fases de processos licitatórios, por exemplo, supriria uma lacuna e prestaria contas da atividade de fiscalização.