Espero reencontrar no novo Mercado o peito oliváceo de uma tainha, duplamente ovada, boca semiaberta no último sorriso da morte.
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Tainha vem do grego tagenias, que é quase uma expressão idiomática. Quer dizer “boa pra fritar”.
E as ovas então? Fritas, são como um prêmio, especiaria inigualada por qualquer outro fruto do mar, aí incluídas as ovas de fina estirpe, como as de esturjão, muito salgadas, transformadas em caviar.
Dizem que as tainhas-de-corso perderam o rumo e que já não são capturadas em cardumes, sendo localizadas pelo sonar dos pesqueiros japoneses ou pela pesca predatória dos que atacam o período do defeso. Muitas chegam do Rio Grande, sim, mas a bordo de caminhões frigoríficos.
Verdade que já não acontecem os “lances” de antigamente, autênticas Mega-Senas de 50, 60 mil tainhas na mesma rede. Mas, felizmente, o produto ainda é genuíno, embora já não chegue à mesa com a assinatura da areia da praia onde a rede foi puxada.
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Neste inverno atípico – um verão em pleno agosto -, vale a pena lembrar que Eça de Queirós gostava de lançar o seu monóculo sobre as ovas desse peixe nos mercados de Póvoa do Varzim, sua cidade natal. Como minha avó, comprando dos balaios dos antigos peixeiros, o autor de Os Maias também examinava as guelras, espetava o dedo nas ovas para sentir-lhes a consistência e saber se eram frescas.
Em A Ilustre Casa de Ramires, Eça escreveu uma receita de sua tainha assada, a título de contribuição para a gastronomia escamada:
“Aqui está como se prepara, ó estudiosos! Tomai essa tainha, escamai e esvaziai. Preparai uma massa bem batida, com queijo (que pode ser parmesão), azeite, gema de ovo, salsa e ervas fragrantes – e recheai com ela a vossa tainha. Untai-a então de azeite e salpicai-a de sal. Em seguida assaia-a num lume forte. Logo depois de bem assada e alourada, umedecei-a com vinagre superfino. Servi e louvai Netuno, deus dos peixes”.
A ova do Eça, acredito, perde para as “gêmeas” que embucham as nossas tainhas manés. Desconfio até que esse recheio postiço, com muito parmesão, pode desonrar o produto, parecendo mais pizza do que peixe.
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Mas, vinda de quem vem, vamos reconhecer que a receita tem lá o seu estilo. Vou com Eça, hoje, dar um rolé no novo Mercado.